Steve Albini esteve por trás de alguns dos meus discos de rock preferidos, como o Surfer Rosa, do Pixies, da Rid of Me, da PJ Harvey, Ys, da Joanna Newsom, ou até o mais obscuro Mclusky Do Dallas. Muito louco que, quando soube de sua morte na terça passada, eu tinha acabado de ver a capa nova da Wire, que era com a sua banda Shellac, que habitou bem meus ouvidos nos anos 90. Fato é que, pra quem gosta de rock, Steve Albini foi desses caras incontornáveis, com uma ética a prova de balas, e certamente vai fazer muita falta. Reuni aqui algumas coisas legais que li e vi sobre ele recentemente. Uma é a carta que ele escreveu para o Nirvana, de quem produziu o In Utero, traduzida no Trabalho Sujo, outra é essa Invisible Jukebox, minha seção preferida da Wire, publicada originalmente em 1994, e, pra terminar, esse vídeo incrível para mergulhar na sua vida no estúdio.
Discos
Não é nada que se diga com um nome, fffluxus (Brava)
Esse disco lindo vem do Recife. fffluxus é um projeto de Mayara Menezes e nesse trabalho apresenta um balanço entre tensão e delicadeza, construindo paisagens cinematográficas, muitas vezes angulosas, com sintetizadores, efeitos e percussão. A dinâmica das composições foi o que mais capturou meu interesse quando eu tentava racionalizar, mas a verdade é que, no fim, esse é um disco em que a maior virtude está na conexão direta com um universo emocional.
Caçada Noturna, Tiganá Santana (ajabu!)
Outro disco lindo. Tiganá não tem só essa voz celestial que projeta quase uma rede de proteção como consegue compor canções que são essenciais, desprendidas de grandes malabarismos, mas lapidadas à perfeição em sua aparente simplicidade. Não sei se é a sugestão do título, mas os detalhes nas canções são como os pequenos barulhos que ouvimos quando despertos na noite. Elementos que crescem no espaço.
Contrapangeia, Gui Amabis
Posso estar viajando um pouco, mas hoje saí pra caminhar ouvindo mais uma vez esse disco — o terceiro lindo de hoje — e prestando atenção nos arranjos, principalmente nas cordas junto com o violão, e rolou meio que uma conexão com o Edu Lobo, principalmente as composições para teatro. As canções, nesse novo do Gui Amabis, parecem existir em diferentes planos, modelando dramas.
Mundo Paralelo, Moreno Veloso (Benguela)
Talvez eu esteja mais sensível, mas é muito bom ter quatro discos lindos juntos, cada um com uma beleza diferente da do outro. O de Moreno tem a beleza da alegria, do mundo que é carnaval e do carnaval que é o mundo, gravado com amigos, parte das bases feitas em Portugal por Domenico Lancellotti, Pedro Sá, Rodrigo Bartolo e Ricardo Dias Gomes, complementada por uma série de participações no Rio, que vão de Kassin à família Veloso, de companheiros da Orquestra Imperial ao Tiganá Santana. Só que é lindo menos por conta de quem toca e mais por esse samba de camadas superpostas de Rio de Janeiro e Bahia, mundos nem sempre paralelos, apesar de todos os paralelismos.
Livros
Poema do Desaparecimento, Laura Liuzzi (Fósforo)
Os plaquetes do Círculo de Poemas tem uma das melhores curadorias de vozes de poetas contemporâneos trazer novas vozes, como é o caso deste plaquete que traz um longo poema de Laura Liuzzi. Soube dele depois de ler um texto ótimo do Ronaldo Bressane na newletter da Morel, que, inclusive, eu super indico. Como ele escreve: “O livro todo, 79 páginas, é constituído de um longo poema ensaístico, fragmentado em pequenas células de menos de uma página – muitos deles terminando com a declinação do verbo ‘desaparecer’, quase um refrão.”
Pária Amada, Brasil, Carlos Castelo (Editora Urutau)
Carlos Castelo era do Língua de Trapo, colaborou anos com a Bravo! quando eu era um dos editores, e é o rei dos trocadilhos, tanto dos infames quanto o dos menos infames. Adoro o seu humor, e aqui ele toma por objeto esse país que maltrata humoristas por princípio. Não é fácil competir com a realidade. E é sobre ela que Castelo sola, falando de política, economia e outras manias.
Filmes
Dentro, Vasilis Katsoupis (Prime Video)
Um filme tenso do começo ao fim. Na verdade, é uma película bem angustiante, que vale pela interpretação de Willem Dafoe, um ladrão de arte que fica preso ao tentar roubar obras de um apartamento.
Retorno à Razão, Man Ray (Mubi)
São quatro curtas do mestre do surrealismo, feitos entre 1923 e 1929, numa versão que ganha um sabor especial. Nesta nova edição, os filmes são musicados pela banda SQÜRL, de Jim Jarmush e Carter Logan.
Série
Kevin Spacey, a história não contada (Max)
Nessa série de dois episódios, o ator volta a ser acusado de assédio e abuso sexual, a despeito de ter sido inocentado de quatro acusações em um tribunal londrino no ano passado. É possível discutir o tom, que chega perto do sensacionalismo, mas os depoimentos são fortes.
Matéria Escura (AppleTV+)
Com episódios novos todas as quartas, essa série é uma adaptação do livro de Blake Crouch. Só o primeiro episódio está disponível, mas dá pra sentir que, para além da ficção científica e do jogo com um universo paralelo, a série estrelada por Joel Edgerton, Jennifer Connelly e Alice Braga é também um retrato muito interessante da vida em família de um professor de física de meia-idade.
Podcast
If Books Could Kill
Dica do editor Ricardo Teperman, esse podcast apresentado por Michael Hobbes, jornalista que era do Huffignton Post, e pelo advogado Peter Shamshiri discute um best-seller de não-ficção e seu contexto por episódio.Na verdade, a diversão é ver como os dois destroem os livros, apontando tanto erros factuais quanto o que consideram erros conceituais.
Steve Albini com certeza foi uma perda enorme. É impressionante o seu currículo, trabalhando em tantos discos incríveis que marcaram gerações (e trouxeram um som que desafiava o "hegemônico"). Conheci o trabalho dele na adolescência quando estava viciada em Nirvana. In Utero é sem dúvidas o melhor trabalho do grupo, o mais autêntico e cru, e continua sendo lendário até hoje.