Os Quatro da Candelária (Netflix)
Quatro motivos me levaram a escolher Os Quatro da Candelária como a série para assistir neste mês. O primeiro é político e tem a ver com o momento atual. A chacina da Candelária, que aconteceu na madrugada de 23 de julho de 1993 e deixou oito crianças e adolescentes em situação de rua foi cometida por policiais a paisana e um amigo deles.
Morreram Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos; Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos; Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos; “Gambazinho”, 17 anos; Leandro Santos da Conceição, 17 anos; Paulo José da Silva, 18 anos; e Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos. Todos dormiam com cerca de outros 60 jovens na escadaria da igreja localizada no centro do Rio de Janeiro. O motivo seria a vingança por ter tido uma viatura apedrejada um dia antes. A cultura do extermínio, sobretudo do assassinato dos jovens negros, não mundou um milímitro nesses últimos 30 anos. Inclusive a questão da impunidade de policiais segue ultrajante. Só três dos seis acusados de cometer a chacina foram condenados, e nenhum está preso hoje, a despeito de dois deles terem recebido penas enormes.
O segundo motivo é a escolha por contar essa história de maneira ficcional. O criador da série e também um dos diretores, Luis Lomenha, não busca recontar essa história com personagens reais, embora todos os elementos de realidade estejam presentes o tempo todo. Ele recolheu depoimentos dos sobreviventes e cria uma trama mais livre para incluir os elementos narrativos que vão deixar a série interessante, inclusive para quem não tem ideia do que foi a chacina ou da realidade da vilôencia de Estado brasileira.
O que leva ao terceiro ponto, a estrutura narrativa. A série tem quatro episódios e cada um deles tem um personagem como protagonista, numa história que se entrelaça durante um dia e meio antes da chacina. Mais do que as ações em si, todas as histórias lidam com o abandono, e os motivos que levaram os protagonistas para a rua.
O primeiro traz a perspectiva de Douglas (Samuel da Silva Martins), que começa a série tentando arrumar dinheiros para enterrar seu pai adotivivo, depois de perder seu pai verdadeiro assassinado, o segundo é Sete (Patrick Congo), e explora o viés da homosseuxualidade em relação à situação de rua, o terceiro olha para Pipoca (Wendy Queiroz) cuja mãe, uma empregada doméstica é forçada pelos patrões a entregá-la à tutela do Estado, e o último fala de Jesus (Andrei Marques), abandonado no lixo bebê, criado entre a rua e o cárcere. Ao somar essas quatro perspectivas não só se vai recontando todos os passos que motivaram a chacina, como se revela muito das forças que operam a partir da desigualdade no Brasil.
O último ponto é estético. A minissérie é bem dirigida por Lomenha e Márcia Faria. É filmada de forma com que a mesma cena apareça de perspectivas diferentes em cada episódio. Afinal, como o desfecho já é conhecido desde o título, a série é muito sobre a construção desses quatro personagens. E a maneira como a câmera se comporta é fundamental para retratar bem esses quatro personagens.
Normalmente, quatro episódios são fáceis de assistir de uma sentada. Não sei se o tema me deixa mais sensível, mas eu veria aos poucos, deixando cada um deles decantar antes de partir para o próximo. Como é uma história brutal, assisti-la envolve pouco prazer. Contudo é bastante necessária, ainda mais para quem vive nas grandes cidades e sabe que, após a pandemia, a população em situação de rua só cresceu e que grupos de extermínio não são coisa do passado.
Pode me julgar
24 em 24: O Último Chef em Pé (Max)
Cada um tem a cachaça que merece e, em termos de série, a minha são os reality shows. Quando pior, melhor. Então, para quem é como eu, indico o melhor reality culinário que vi neste ano. 24 participantes têm de ficar 24 horas competindo para ganhar o prêmio final. Uma maratona que expõe também as entranhas desse tipo de programa. Bom pacas.
Atemporal
The Wire - A Escuta (Max)
Série clássica da HBO, criada por um repórter policial, ela tem uma coisa muito legal que é trazer uma nova camada da trama . Lançada em 2002, se passa em Baltimore e examina o crime e a vida urbana na cidade através das perspectivas de policiais, traficantes, educadores e moradores.
Lançamentos
Netflix: Arcane, Assassino Zen, Banco Central Sob Ataque, A Diplomata, Um Espião Infiltrado, A Imperatriz, Irracional, Narcos: México, Senna, Tomb Raider: A Lenda de Lara Croft, Voo Criminoso.
Prime Video: Cross, Cromañon, Citadel: Diana, Citadel: Honey Bunny, A Menina Que Matou os Pais: A Série, The Office, Sutura, The Walking Dead: Daryl Dixon: The Book of Carol.
Max: A Confidente, A Franquia, Pinguim, Uzumaki.
AppleTV+: Disclaimer, Falando a Real, Onde Está a Wanda?.
Disney+: A Máquina, Outlander, Os Últimos Dias da Era Espacial.
Globoplay: República, Arcanjo Renegado, Catarina, A Grande.
Paramount+: Yellowstone, Landman.
Sofá amigo
Convidei a Nathália Pandeló Corrêa, do Tenho Mais Discos que Amigos, para escrever sobre uma série recente que tenha gostado, inaugurando essa seção nova.
My Brilliant Friend (Max)
My Brilliant Friend é uma série que, mesmo adaptando uma das obras literárias mais vendidas dos últimos tempos, nunca alcançou uma popularidade proporcional à ambição da empreitada. Também, pudera: assim como os livros de Elena Ferrante, conta uma história que é difícil de digerir, imersa em dramas pessoais, crime, debates de classe e política em uma Itália fadada ao espectro do fascismo. Mas a narrativa das amigas Lila e Lenù foi traduzida para a TV com um cuidado que preserva a complexidade das relações e os momentos marcantes da história.
Ainda assim, a escolha de manter o idioma original, o italiano, pode ter contribuído para que a produção ficasse restrita a um público mais específico. A decisão — acertadíssima — trouxe autenticidade e fidelidade ao material original. A série chegou ao fim neste ano com uma temporada ambiciosa, que condensou muita história em cada episódio, sem perder a intensidade. Apesar de lidar com assuntos como violência doméstica e de gênero, infidelidade e morte, o coração da trama está na amizade, na passagem do tempo e nas escolhas que moldam o que queremos preservar ou deixar para trás. Já o legado de My Brilliant Friend é ter sido uma adaptação fiel e ao mesmo tempo cinematográfica, capturando a essência de uma obra que aborda o lado mais humano e imperfeito das relações.