A partir dessa semana começo a ter uma colaboração na feitura desta Ladrilho Hidráulico. Maria Clara Strambi vem das artes cênicas e vai me ajudar a organizar a agenda e, claro, escrever um pouco por aqui. Em homenagem à sua mineirice, escolhi como abre um programa que não só todo mineiro, como todo amante de boa literatura conhece: um episódio de Sempre Um Papo, razão de vida do querido Afonso Borges, que toca esse projeto incrível há 38 anos. Escolhi para hoje um papo ao vivo com o escritor Jefferson Tenório, de O Avesso da Pele, que faz uma fala sobre “O avesso da censura: o papel da literatura em ambientes conservadores”.
Discos
To All Trains, Shellac (Touch and Go)
Claro que a morte de Steve Albini logo depois do lançamento do álbum pesa no coração. Mas se existe uma coisa que esse disco prova é que é possível fazer bom rock'n'roll, sem se acomodar, a despeito da idade. Não existe nada de invenção radical aqui, por outro lado, também não há a repetição de fórmulas. O ethos, claro, é punk, DIY, e sempre foi, e ele é mantido íntegro em cada canção, o que não é fácil de acontecer com bandas com mais de 30 anos de estrada.
Folhas, Gustavo Galo (Pequeno Imprevisto)
"Feito Tom Zé regando as plantas dia a dia/ Itamar no jardim com as orquídeas/ Alzira E criando folhas com as filhas/ Jorge Mautner e sua roseira tão bonita". Só por esse começo da canção Pensando em Alzira E e podemos ver algumas das afinidades eletivas estéticas do novo disco solo do cantor da Trupe Chá de Boldo. O disco obviamente é influenciado pela vida na Mantiqueira, pelo novo filho, com nome de flor. E o que tem de curtinho, tem de certeiro. Vale espiar uma conversa de Galo com sua mulher Julia Rocha sobre o disco, que é metade só de um projeto duplo. Seguimos esperando o Fruto…
Lives Outgrown, Beth Gibbons (Domino Recording)
Sem contar a sensacional interpretação da Sinfonia no 3 de Henryk Górecki, a cantora do Portishead não lançava um disco de canções desde a parceria com Rustin Man em no álbum Out of Season, de 2002. Como era de se prever, não é um disco para ouvir perto de objetos cortantes. É um álbum em que ela passa a vida em revista, assombrada pelas perdas de pessoas próximas das últimas décadas. Mas não é só pelas letras nem pelo canto, equilibrado entre a fragilidade e a força, que o disco se impõe. Musicalmente, a emoção vem pelas cordas em primeiro plano a nos conduzir por essas histórias, essas vidas.
The Hollow, Keeley Forsyth (130701)
Vamos terminar a seleção de hoje em campos ainda mais sombrios. A compositora britânica capta dos arredores de seu estúdio em Yorkshire os elementos para construir esse disco que vem com ecos da natureza cinza, de ventos, de umidade. Sua voz é singular, em linha com a peculiaridade de vozes como as de uma Diamanda Galás, e igualmente sem medo de entrar em territórios suspeitos. As cações lidam com espaços vulneráveis sem necessariamente buscar algum reparo, mas sem deixar de contornar as arestas.
Livros
Cine Subaé, Caetano Veloso (Companhia das Letras)
O livro reúne escritos sobre cinema feitos de 1960 a 2023. Quem conhece um pouco da biografia de Caetano sabe de suas ligações estéticas com o Cinema Novo, de suas próprias incursões como ator (quem lembra de Tabu?), como diretor com O Cinema Falado, sem contar as trilhas. Mas Caetano é bom mesmo ao pensar com originalidade e de expressar seu pensamento em palavras, e aqui a sua paixão pelo cinema é o que fala mais alto.
Uma História Concisa da Música Ocidental, Paul Griffiths (Quina)
Para quem gosta de música, esse livro de 2006, que finalmente ganha uma edição brasileira com a tradução de Eduardo Socha, é uma delícia de ler justamente porque quase não se prende a coisas mais técnicas. O crítico inglês não só narra a história da música ocidental pela perspectiva dos principais compositores e músicos como também inclui a nós, os ouvintes, na narrativa.
Filmes
Shakedown, Leilah Weinraub (Mubi)
Entrou no streaming de filmes neste último sábado o doc visceral Shakedown, da Leilah Weinraub. Um compilado de imagens irreverentes sobre um clube de strip tease underground feito por e para mulheres lésbicas negras, em Los Angeles nos anos 2000. Depois de ter sido recebido em vários países, o doc esteve em São Paulo na última Bienal. (Maria Clara Strambi)
Boa Sorte, Leo Grande, Sophie Hyde (Telecine)
Um longa muito interessante, sobretudo pelo roteiro. Na verdade, como cinema, parece uma peça de teatro filmada. A história é centrada nos encontros entre uma viúva que nunca teve um orgasmo na vida e um garoto de programa. O texto e as atuações de Emma Thompson e Daryl McCormack fazem o filme.
Série
Teto pra Dois (Paramount+)
Série britânica bem divertida sobre uma garota que acaba de terminar com o namorado e, sem dinheiro, passa a dividir um apartamento com um estranho. Ela fica das 20h às 8h e ele no período contrário. Claro que esse Feitiço de Áquila em algum momento acende fagulhas.
Eric (Netflix)
Só a fotografia que emula os filmes policiais dos anos 1980 já valeria, mas essa minisérie sobre um policial que investiga o desaparecimento de dois garotos na Nova York dos anos 80 tem um roteiro que prende, sem deixar de dar espaço para a história respirar. E tem ainda uma baita atuação de Benedict Cumberbatch.
Podcast
Yasi Salek é o host desse podcast pra quem realmente curte mergulhar fundo em uma perspectiva musical. Basicamente isso é feito com convidados elocubrando por que determinada banda cult ou artista icônico merece o adjetivo, tudo entremeado por, claro, as músicas.
A Ladrilho Hidráulico agora é feita também pela Maria Clara Strambi