Esta é uma semana especial pra uma newsletter que fala de São Paulo. Na quarta a terra que um dia já foi da garoa faz 469 anos. Mas eu, que circulo bastante pela cidade, não vejo muita coisa pra comemorar. Até por isso escolhi esse trabalho da Cris Bierrenbach para ilustrar esta Ladrilho Hidráulico. Infelizmente, a imagem dessa performance e tudo que ela evoca não poderia estar mais atual. Não me lembro de viver numa cidade tão largada. E não falo das coisas inanimadas, tipo dos sinais que apagam à primeira nuvem negra, das praças sem cuidado ou do lixo que se amontoa e espalha sem controle. O que dá desespero é ver tanta gente com fome, sem casa, sem assistência nem perspectiva. Ainda assim, estou com Tom Zé que lá nos anos 60 já nos via como “milhões de habitantes/ De todo canto e nação/ Que se agridem cortesmente/ Correndo a todo vapor/ E amando com tanto ódio/ Se odeiam com todo amor (…) Porém com todo defeito/ Te carrego no meu peito".
Obviamente, como é São Paulo, vai ter de tudo no aniversário da cidade. Aqui eu seleciono cinco coisas legais para curtir o feriado.
O Museu da Imigração promove logo às 9h30 o passeio São Paulo dos Imigrantes, um percurso guiado de 25 km que visita diferentes lugares que trazem a história e a memória das as imigrações boliviana, italiana, espanhola e libanesa.
A segunda edição do Cidade do Futuro terá uma programação que ocupa o dia todo em diversos pontos do centro da cidade, incluindo uma série de palestras, shows e comida. É preciso se inscrever pelo site.
Com duas sessões na quarta, uma às 12h e outra às 15h, a Casa de Francisca recebe o Pagode do Rodrigueta, roda de samba comandada por Rodrigo Campos, com repertório dedicado ao samba de São Paulo.
No CCSP, às 17h rola uma edição do TRANSarau e às 19h tem show de Nando Reis com seu filho Sebastião.
A prefeitura não conseguiu divulgar ainda os shows do Anhangabaú, que costumam ser o carro-chefe da data, mas a tomar pelo Revéillon, podemos esperar alguma coisa média e óbvia. Se for para curtir o vale, eu sugiro terminar o dia com o Trovadores do Miocárdio, na Balsa.
Para sair de casa
Abre hoje na Almeida & Dale a coletiva CONTRA-FLECHA Arqueia mas não quebra, coletiva que inaugura o programa voltado para a investigação de novas perspectivas na produção e na história da arte brasileira. A mostra é curada por Germano Dushá, Rafael RG e Ariana Nuala, e mescla novos artistas a nomes consagrados como Hélio Oiticica, Lygia Pape e Rubem Valentim, não se limitando aos artistas representados pela galeria.
Fica em cartaz no MIS até dia 29 a coletiva Nova Fotografia 2022 - Parte 2, que reúne projetos de três artistas promissores selecionados: As Primeiras Vezes que Fui a Venus, de Victor Galvão, Plano de Voo, de Carolina Koff e Museu da Loucura – do Barroco ao Eletrochoque, de CK Martinelli. Grátis.
Termina no sábado Parayzo, a individual da Liz Parayzo na Casa Trigângulo. Para quem não conhece o trabalho dela, tem esse episódio do Artérias do ano passado, dirigido pelos meus comparsas Henk Nieman e Helena Bagnoli para o SescTV.
Outra exposição que termina no sábado e vale a visita é En Vías de Desarollo, individual da artista peruana Sandra Gamara, na Galeria Leme.
Até 12 de fevereiro, fica em cartaz Vontade de uma Coisa com Você, com dramaturgia e direção de Luciana Fróes. O incrível é ter no palco três gerações: além de Luciana, seu pai Rogério Fróes e seu filho Bento Coimbra. De sexta a domingo no Sesc Ipiranga.
Já o Sesc Pinheiros, que ainda leva em cartaz no teatro Paulo Autran o espetáculo amazonias - ver a mata que te vê [um manifesto poético], vai ao norte também no Auditório com o Solo de Marajó, espetáculo criado pelo grupo USINA, do Pará, a partir da obra do romancista paraense Dalcídio Jurandir, com atuação de Claudio Barros e direção de Alberto Silva Neto.
Começa hoje e vai até 28 de janeiro a mostra Nordestern: Bangue-Bangue à Brasileira, com 16 filmes que tem o cangaço como temática, indo desde o clássico Lampeão até Bacurau, que abre a mostra hoje às 18h. Amanhã tem O Cangaceiro, de Aníbal Massaini (1997) às 18h e Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry (1996) às 20h. Sábado começa às 17h com sessão dupla com Lampeão, de Benjamin Abrahão (1936) e Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (1996). Depois, às 19h, passa O Homem que Virou Suco, de João Batsita de Andrade (1980). Para fechar a primeira semana, domingo tem sessão às 16h com a dupla A Mulher no Cangaço, de Hermano Penna (1976) e Canta Maria, de Francisco Ramalho Jr (2006). E às 18h20, o incontornável O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha (1969).
Para quem é de pista, no sábado na Fabriketa rola o Carlos Capslock Festival, com três pistas, uma de techno, um de house, e uma com lives, shows, EBM, e mais de 50 artistas.
Mais cedo no sábado tem uma Pista Quente na Central. Akin Deckard e Benjamin Sallum convidam Milos Kaiser e Julia Wecklmann.
E sábado tem a fusão de duas festas no Cineclube Cortina: a Xepa Sounds, do Thiago França, com Noites de Trabalho Sujo, do aniversariante Alexandre Matias.
Domingo tem Erikah Badu no Memorial da América Latina num mini festival com shows de Larissa Luz com Anelis Assumpção, Majur, Os Gilsons, DJ Niak e DJ Tamy.
Hoje tem Pau Brasil no Blue Note.
Amanhã, Daniel Furlan, da TV Quase, lança o disco Tropical Nada no Studio SP.
Sábado de tarde, de graça, na Casa do Povo, tem a jam aberta a todos, como parte do projeto Kintsugi, do Cristian Duarte.
Na Casa de Francisca, vai ter Passo Torto hoje, Banda Mantiqueira amanhã e Luiz Tatit com Ná Ozzetti na quarta.
Agora aquele bloco dos shows do Sesc. No Pompéia tem Charanga do França hoje, Höröyá na sexta, Edgar no sábado, além de Lenine de sexta a domingo. No Belenzinho rola Mickey Junkies na sexta e Tatá Aeroplano no sábado. No 24 de Maio tem Karnak no fim de semana e no feriado. E Douglas Germano faz show no Bom Retiro no domingo e no Interlagos na quarta. Ainda no aniversário da cidade, rola aula-espetáculo com Arrigo Barnabé no Vila Mariana, Zé Geraldo no Campo Limpo e Johnny Hooker em Itaquera.
Discos
O Paraíso, Lucas Santtana (No Format)
Eu gosto muito de como o Lucas Santanna encara a composição e são dele alguns dos meus discos preferidos da última década. Nesse primeiro lançamento desde que mudou para a França, traz colaborações com franceses, como Flore Benguigui na voz e Laurent Bardaine no sax. Arrisca até uma canção em francês, La Biosphère. O que faz a minha cabeça é a centralidade da canção sem deixar de lado uma certa dose de aventura nos arranjos, que vem junto com uma sabedoria ao usar texturas. Isso é muito natural em suas próprias composições, mas, como exercício, sugiro colocar a atenção nesses pontos ao ouvir suas versões de Fool on the Hill e Errare Humanum Est.
Tascam Space Season, Noda & Woolfers (L.I.E.S.)
Esse disco tinha saído no meio do ano e agora ganha edição do selo inglês L.I.E.S. É basicamente um álbum sensacional de dub eletrônico, feito a partir do encontro da imaginação espacial cheia de ecos do japonês Noda com o universo infinito dos synths do holandês Legowelt. Para quem gosta de dub mais aberto, não fica muito melhor que isso.
Samba da Bahia, Riachão, Batatinha e Panela (Forever Living Originals)
Só de falar em Batatinha e eu abro um sorriso no rosto. É uma felicidade que esse álbum de 1973 tenha sido relançado agora no digital. Traz alguns dos sambas mais famosos de cada um dos três compositores, e, em vez de apontar para uma coesão, na verdade mostra três visões complementares do samba baiano.
12, Riuychi Sakamoto (Sony)
Curioso ouvir esse disco na semana da morte de Yukihiro Takahashi, parceiro de Sakamoto na sensacional Yellow Magic Orchestra. O álbum foi composto e gravado na pandemia, entre 2021 e 2022, durante o tratamento de câncer de reto. As músicas, composições para piano e eletrônica, vem obviamente com uma carga emocional muito forte, e alcançam pontos bem sombrios. De certa forma, é um disco que dialoga com Async, disco feito após receber o primeiro diagnóstico de câncer, em 2014.
Livros
Digo e Tenho Dito, Ana Maria Maiolino (Ubu)
É interessante quando o mundo das artes visuais encontra o das palavras. Neste volume, as palavras parecem sugerir acertos de contas, formalizados em textos autobiográficos e poemas. É interessante investigar o quanto dialogam também com a trajetória da obra visual da artista, que parte do figurativismo, da gravura e de um interesse por arte popular para se tornar cada vez mais conceitual e experimental.
O Filho de Jesus, Denis Johnson (Todavia)
O livro de contos que colocou o escritor americano no mapa, nos anos 1990. Com forte ligação com a geração beat que estilhaçou o sonho americano e com a literatura da auto-destruição de um Bukowski, esses contos trazem personagens à deriva, observados pelo narrador que participa da ação.
Filmes
O Pálido Olho Azul, de Scott Cooper (Netflix)
Mais do que ser o novo filme do Christian Bale na Netflix, o que me fez gostar desse longa curioso de detetive é ter o jovem Edgar Allan Poe como um dos cadetes na escola militar que convoca um investigador para solucionar o mistério da morte de um aluno. Ver o autor de O Corvo como um Watson é bem divertido.
Le Monde Après Nous, de Louda Ben Salah-Cazanas (Mubi)
A estreia do diretor francês tem uma economia no texto e na câmera que de certa maneira abre um diálogo estético com o tema do filme, a falta de dinheiro. A personagem central é Labidi, um jovem escritor, filho de imigrantes que moram no interior, e que vive em Paris equilibrando um parco orçamento. Com a oportunidade de escrever seu primeiro romance, trabalha em bicos precários até que começa a namorar. Aí as coisas ficam ainda mais complexas.
Séries
Jack Ryan (Prime Video)
Eu preciso confessar que adoro a personagem criada pelo Tom Clancy, principalmente nos filmes de ação dos anos 1990 e 2000. Há umas semanas foi lançada a terceira temporada da série que acompanha o jovem Dr. Ryan na CIA. Desta vez, toda a história é um flashback da Guerra Fria, com uma reavivada tensão entre Rússia e EUA.
Caleidoscópio (Netflix)
Hoje vou dar só séries para não pensar muito, como essa que tem Giancarlo Esposito, o Gus de Breaking Bad, como ator principal. É uma série sobre um roubo, mas a graça aqui é menos a história e mais a proposta de que a série pode ser assistida randomicamente, passeando pelo passado e pelo futuro do assalto ao sabor da sorte.