Nem todo Carnaval tem seu fim. Para quem passou em São Paulo, a festa desafiou as chuvas e foi a mais intensa que eu já presenciei. Verdade que quase sempre eu fujo da cidade no Carnaval, mas dessa vez fui até para alguns bloquinhos, e me diverti bem com os amigos. A festa só não foi maior por conta da tragédia anunciada na praia. No meio da folia, os relatos desesperadores chegavam de todos os lados. Assistindo ao maravilhoso show da Céu no último domingo, ela interrompe por um momento aquela bolha de beleza para falar da sua tristeza com a devastação das chuvas bem antes de cantar "Varanda Suspensa”, essa canção que é toda São Sebastião e que ficou ainda mais linda naquele momento. Existem muitas maneiras de ajudar quem tem necessidade, se puder abrir o coração e o bolso, é hora de doar. Mas, apesar de tanta dor, e do corpo flagelado pelos excessos, ainda tem um bom rescaldo carnavalesco neste fim de semana, além de todo o resto.
Para sair de casa
Falei de museus na semana passada, e as dicas ainda valem para esse fim de semana. Mas desta vez quero trazer coisas novas de artes visuais. O curador Renato de Cara, que sempre teve um faro incrível para novos artistas, seleciona obras de dois jovens, Fábio Rodriguez e Shaolin Shabba Shao, e reúne os trabalhos na mostra Sonhos Reais, no Delirium.
Falando em novos artistas, na Oma dos Jardins, vale ver a coletiva Multiplicidade Tripartida. Curada por Icaro Ferraz Vidal Junior, a mostra traz trabalhos realizados pelos artistas Felipe Diniz Sanguin, Isabê e Sofia Saleme durante uma residência criativa na galeria.
Fica até 18 de março na Casa Triângulo, a exposição Zé Tepedino: Tudo É a Forma que Fala, do artista carioca que trabalha com materiais encontrados e traz para o cubo branco uma arte que normalmente ocupa os espaços públicos.
Na Galeria Marília Razuk, abriu pouco antes do Carnaval mais uma mostra da série acervo aberto, que investiga a trajetória de um artista. Em Sergio Romagnolo: Efeitos Especiais, há uma seleção de 15 obras do artista, produzidas a partir dos anos 1980. E por lá também está em cartaz Colunas e Pingentes, com esculturas e desenhos de Claudio Cretti.
Para quem gosta de dança, estreia hoje no CCSP, 1984, adaptação do texto de George Orwell pelo Projeto Mov_oLa e, no Centro da Terra, tem Dresler Aguilera com Um Tanto de Fé e Muito Café hoje e amanhã.
Indo para o teatro, na sexta e no sábado o Teatro Arthur Azevedo recebe o projeto Humilhação, que reúne quatro peças curtas de Carla Kinzo, Cláudia Barral, Lucas Mayor e Marcos Gomes, escritas a partir do ensaio homônimo de Wayne Koestenbaum. De graça.
Já na segunda, é dia de “teatro no theatro”,. O Municipal encena o espetáculo multimídia Paris, que volta à efervescência da cidade luz no começo do século passado, com concepção e direção de Jorge Takla.
O Cineclube Cortina tem sessões hoje, sábado e terça, com uma programação bem boa, que inclui até o novo Aftersun, filme que também pode ser visto no pequeno Cine LT3, uma boa dica pra quem curte cinema pequeno na zona Oeste.
Mas nem só de cinema vive o Cortina e na sexta estreia a festa do coletivo Domply por lá, com o francês Craig Ouar, Giu Nunez e Simon no som. Mas, pra quem já quer sair hoje, tem o DJ Nuts de graça no Mundo Pensante.
Amanhã também rola uma festa da turma do Micélio, com os DJs Space Echo, INOUE, Jungle Julia e Semper, na Chacrinha. Pra quem é mais do indie, uma boa na sexta é a Barulho, com os irmãos Marcio e Gilberto Custódio, no Fenda. E, para fechar bem o modo sextou, rola Pista Quente na versão original apertadinha, com Akin Deckard e Benjamin Sallum, no Porta.
No sábado, tem uma Roofsteady imperdível na Balsa., com Jurássico e Elohim recém chegados da Jamaica, cheios de disquinhos novos.
No fim de semana, quem quiser saber das festas e dos blocos do pós Carnaval, vale dar uma olhada nas dicas do SP Afora. Mas, para mim, o melhor é o Navio Pirata do BaianaSystem no Obelisco do Ibirapuera, sábado, às 13h.
Desacelerando um pouco, amanhã Izzy Gordon canta Dolores Duran e depois tem Nomade Orquestra no Blue Note.
Na Casa Natura Musical hoje tem Febem + Fleezus + Cerv e amanhã, MC Tha. Já na Casa de Francisca, nesta semana eu iria de Fabiana Cozza no Baile da Ressaca amanhã, Alaíde Costa e Claudette Soares cantando Milton Nascimento no sábado e, na terça, Edgar Scandurra com Kiko Dinucci, Juliana R e Silvia Tape como convidados.
No Studio SP, amanhã tem Black Mantra & BNegão tocando Tim Maia Racional. E no começo da semana, vale uma ida ao Centro da Terra para ver Marcela Lucatelli na segunda e Test + Bernardo Pacheco Vs Papangu em Esquema Tático de Destruição em Massa em Nome do Holoceno, na terça. Você pode até não gostar, mas não dá pra contestar esse título. ;)
Uma coisa bem especial pra quem gosta de polinização cruzada nas artes é a Ocupação Laço, que acontece de amanhã a domingo no Sesc Ipiranga. Combinando música, artes visuais, videomapping e tecnologia, é uma experiência sensorial imersiva instigada por Henrique Roscoe, Ananda, Ligia Alonso, Caio Fazolin, Embolex, MNTH e Kelly Pires, Sue e Carol Costa.
E com isso vamos pro agendão do Sesc. Hoje eu vou fazer minha seleção por unidade. Começo pelo Belenzinho com a maravilhosa Joyce Moreno na sexta e no sábado. No Pinheiros é imperdível o mestre João Donato no domingo. No Pompeia tem Afroito hoje. Amanhã rola Orquestra Brasileira de Música Jamaicana e os Boogarins fazendo o Clube da Esquina. Já no sábado e no domingo, tem Filó Machado no teatro. No Avenida Paulista, sexta e sábado tem Tasha e Tracie. E, no Vila Mariana Ikè faz seu Melanina Jazz no sábado e, na quarta, Anna Vis lança seu primeio álbum Como Um Bicho Vê. Para terminar, tem o Instrumental Sesc Brasil, na terça, de graça, no Consolação, desta vez com a incrível Emiliano Sampaio Jazz Orquestra.
Discos
É de Dentro que Sai, GO (Brava)
Se o mundo em volta insiste no Carnaval, aqui proponho uma bolha particular. GO é um dos projetos de Fabio A, em que ele explora sonoridades acústicas de fontes não convencionais. Ele usa microfones de contatos em metais, como molas e ferramentas, e trabalha esses sons com amplificadores hackeados. O legal é mergulhar nas texturas e, principalmente, nas dinâmicas que vão da sugestão de tremores ao caos da demolição. Tipo se a MTV fizesse um acústico do Einstürzende Neubauten no meio dos anos 1980.
Starting Point, Grupo Um (Nonsuch Records)
É uma maravilha ver emergir clássicos há muito tempo fora de catálogo. E, pra quem curte LP então, dá aquela coceira. Para quem nunca ouviu, o Grupo Um é um trio de jazz brasileiro — aqui a gente usa jazz de um jeito bem solto —, mas é um trio quase clássico com Lelo Nazario no piano, piano preparado, Fender Rhodes e percussão, seu irmão Zé Eduardo Nazario na bateria, berimbau e percussão e o gigante Zeca Assumpção no baixo. E todos na voz. Com cheiro de Teodoro Sampaio dos anos 1970, é um exercício de liberdade e, por que não, de suíngue.
Ellingtonia Vol 2, Sun Ra & His Arkestra (Matador Records)
Outra pérola lançada neste mês. Para quem curte Sun Ra, a conexão com o som das big bands é muito clara. Mas existia uma ligação especial com o gênio de Duke Ellington, com toda aquela elegância nos arranjos, toda a complexidade harmônica. O álbum reúne uma série de gravações de Sun Ra com a Arkestra em diferentes espaços, indo dos anos 1950 aos 1980. O que não muda é a genialidade de Sun Ra ao fazer com que a sua homenagem ao swing leve o duque para além da estratosfera.
in|FLUX, Anna B Savage (City Slang)
O segundo disco da cantora londrina é daqueles que me faz ter vontade de voltar para ele, de minerar seus segredos. Em primeiro lugar porque no mundo de perfeições, autotunes e cliques, ele é assumidamente imperfeito, às vezes a guitarra escapa um pouco, a voz fica um tanto fora, e todo o resto da produção meio que tenta dar contorno a esse fluxo de voz e guitarra. É justamente esse jogo dos fluxos sonoros que faz esse conjunto de canções adultas, na sua maioria de amor e com um forte perfume pop, ficaram instigantes.
Livros
Alalázô, Pedro Torreão (Aboio)
Não conhecia a poesia do Pedro Torreão, fiquei sabendo do livro depois de um post do artista e músico Marcvs e fiquei intrigado. Gosto de descobrir novos poetas, e fui capturado pela torrente de imagens que brotam da poesia do Pedro Torreão, e de seu jeito de dizer assim aos gritos o que precisa ser dito neste mundo.
A Vida Descalço, Alan Pauls (Companhia das Letras)
A praia é um pouco a madeleine de Alan Pauls nesse livro em que, à beira mar, ele parte em um fluxo em que se misturam memória, cultura, observação social para reivindicar o pé na areia da praia como um terreno de fértil criatividade.
Filmes
Mato Seco em Chamas, Joana Pimenta e Adirley Queirós (cinemas)
Misturando ficção e documentário, o filme conta a história de Chitara e sua irmã, que dominam a venda clandestina de gasolina numa favela em Ceilândia, na periferia de Brasília. Só que com a chegada da extrema-direita ao poder no Brasil esse filme sobre o petróleo ser nosso ganha novo contorno com as irmãs partindo para cima da classe política.
A Baleia, Darren Aronofsky (cinemas)
Para quem já está conectado ao Oscar, esse foi o filme que deu a indicação de melhor ator a Brendan Fraser. Ele interpreta Charlie, uma pessoa obesa, em conflito com suas escolhas e tentando se reconectar com a filha. Adaptada do teatro pelo autor da peça Samuel D. Hunter, o filme guarda um pouco do peso do texto, mas ganha um tratamento visual bem dentro da estética construída pelo diretor de Réquiem para um Sonho.
Séries
Wu-Tang An American Saga (Star+)
Com a terceira e última temporada rolando agora na Hulu, já dá para entrar no universo da criação de um dos coletivos de hip-hop mais geniais da história do rap. Inspirada nos livros The Wu-Tang Manual e The Tao of Wu, escritos por RZA, a série reconstrói a Nova York cracuda dos anos 1990 e mostra como um grupo heterogêneo, que vive entre o crime e a música, consegue se tornar uma das maiores potências criativas da época.
Barry (HBO Max)
Essa série não é exatamente um lançamento. Fato é que eu não consegui ver nada novo muito bom nos últimos dias. Mas com três temporadas completas, vale um mergulho. Barry é uma das comédias mais interessantes que vi nos últimos tempos, e eu sou chato com humor. Conta a história de um assassino de aluguel bem perturbado com stress pós-traumático que precisa realizar um trabalho junto a um grupo de teatro, mas não consegue terminar o serviço.