E daí que o capitalismo digital está ruindo? O lance para não pensar no tsunami de más notícias econômicas que está vindo aí é se fechar na bolha da cultura. Entonces vamos aproveitar enquanto há amanhã para não perder as coisas boas antes que acabem.
Vai até sábado na Jaqueline Martins, a mostra Cumplicidade Refletida, da artista visual Lia D Castro. O trabalho de Lia —como Carlos, da série Axs Nossxs Filhxs, de 2021 que ilustra esse post—, toca em temas sensíveis, como sexualidade, representação, o universo trans, o privilégio branco. O que fica no escuro ou a portas fechadas vai para as paredes, e é absolutamente necessário que seja assim. Além das pinturas, há também as gravuras e desenhos Michê, Hipocrisia e Carne, que retratam homens de costas em encontros. O que me interessa nesse conjunto é o uso do figurativo como instrumento político e de reflexão. Vamos?
Para sair de casa
Na Casa de Cultura do Parque, vale a visita a duas exposições. A primeira é a coletiva Métrica Imprecisa, com curadoria do artista Claudio Cretti, e trabalhos de Ana Mazzei, Débora Bolzsoni, Esvin Alarcón Lam e Renata Pedrosa. A outra é Passa, Tempo! - Fotopinturas, individual de Teodoro Dias, dentro do Projeto 280x1020, que convida um artista para ocupar uma parede com essas dimensões.
Já no Instituto Tomie Ohtake fica em cartaz até 23 de abril a individual do gaúcho Fernando Lindote, Quanto Pior, Pior, com uma leitura bem particular da selvageria tropical em 26 telas.
Para quem for curtir um fim de semana na Paulista, vale parar na Japan House para ver a instalação botânica Essência: Jardim Interior, do mestre do Ikebana Atsunobu Katagiri.
Agora pensando em estreias, no sábado abre Desacordados, de João Loreiro, na Sé Galeria, com suas instalações e esculturas que utilizam inclusive o espaço da casa desenhada por Flavio de Carvalho onde fica a galeria.
Indo para o teatro, está em cartaz no Sesc Avenida Paulista uma adaptação do romance de Jeferson Tenório O Avesso da Pele, com o Coletivo Ocultá.
E não só o teatro Itália está de volta, como às quartas tem uma montagem de O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, com direção do Bruno Perillo.
Também na quarta acontece na Balsa o segundo Sinapses Poéticas do ano, com Caetano Palavras Cruzadas, papo ilustrado entre Eduardo Beu, Marina Wisnik, Guilherme Wisnik e Gustavo Galo.
E outra notícia boa para as quartas paulistanas é que o Centro da Terra fez uma parceria com o In-Edit Brasil e sempre vai passar docs musicais. O desta quarta é um que eu adoro: Garoto - Vivo Sonhando, de Rafael Veríssimo.
Na onda extrema para dançar, amanhã tem Breakcore SP no Marco Zero, com a renda revertida para as vítimas das chuvas do litoral Norte. No Line-up, velhos amigos da Temp e uma nova geração: Ascalapha, Hidráulico, Murdarah, Sub, Daby Dynamite e Nukelart.
Agora num clima desbravador, mas por outros caminhos, hoje tem a terceira edição do Lab da Deekapz, com sons afro no Miúda.
Hoje também rola Alessandra Leão na Casa de Francisca, mostrando o excelente Acesa, com participações de Ava Rocha e Dani Nega.
E, no Porta, um show histórico de graça: Ratos do Beco, a primeira banda de Miguel Barrela, que durou 3 meses em 1978, relança seu compacto.
Sábado é dia do bruxo. Tem Hermeto Pascoal & Grupo no Blue Note. Já no Bar Alto, Jadsa comemora os dois anos do incrível Olho de Vidro. E, na Sala São Paulo, tem a pianista Eliane Elias, pela FIP Jazz. Já o Municipal aposta em um encontro inusitado: música eletrônica, música clássica e baile de favela.
Agora no mundo Sesc tem o segundo fim de semana do Festival Zunido no Pompeia com Pupillo hoje, Rodrigo Ogi e Dr Drumah amanhã e Last Poets no sábado e no domingo.
De amanhã a domingo tem Vanessa Moreno no Consolação, Lô Borges no Pinheiros e Guinga com Orquestra Jovem Tom Jobim no Vila Mariana. Amanhã rola Maglore no Belenzinho. Já no domingo tem Arrigo Barnabé com Isca de Polícia em Guarulhos. Para terminar, terça tem a flautista Nara Pinheiro no Instrumental Sesc Brasil, no Consolação.
Discos
Calisthenics, Instituto de Práticas Sônicas Nômades Ilícitas Certificadas (Seminal Records)
Antes mesmo de ouvir eu já pirei no nome dado a esse duo que tem Marina Cyrino na flauta e Mathias Koole na guitarra. O mais interessante é que nada é exatamente o que parece, com os instrumentos servindo como fontes acústicas ou eletrônicas, modificadas, processadas, ora servindo ao ritmo, ora às texturas. São sons para manter corpo e mente ativos, já que têm como inspiração os desenhos do século 19 do Handbook of Calisthenics and Gymnastics: A Complete Drill-book with Music to Accompany the Exercises, de J. Watson.
Não Adianta o Inferno, Marília Calderón (Independente)
O Sou muito chato com textos teatrais, não tenho a menor paciência para aquele texto médio, cheio de piruetas estilísticas que normalmente aterrizam no chão, mas quando é bom, fico de quatro. É o caso dessas canções, que têm produção de Chicão, e fazem referência tanto ao drama do tango quanto às canções de Brecht e Weil, além de terem letras com uma temática totalmente alinhada com as questões políticas e de gênero atuais, filtradas por um humor fino. Uma outra experiência é assistir à versão audiovisual do disco, feita em parceria com Iza Guedes.
Se Pah (Beat Mesclânea), Igor B (Mondo Groove)
Bela dica do meu amigo Diego Pessoa, do excelente Hominis Canidae, é um disco para quem curte beats instrumentais vaporosos. Tem linhas melódicas que lembram o dub de Augustus Pablo, mas também um quê de downtempo noventista com seus breakbeats enterrados e cordas que homenageiam o suingue lânguido do pós-mangue de bandas como Bonsucesso Samba Clube. Ideal para curtir fumando unzinho.
Moving on Skiffle, Van Morrison (Exile Productions)
Bom, eu sou dessas pessoas que acham Astral Weeks um dos melhores discos da história, então Van Morrison sempre vai bater bem por aqui. Skiffle é um estilo que fez sucesso no Reino Unido nos anos 1950, um folk temperado por jazz e blues. A primeira banda dos adolescentes Lennon e McCartney, The Quarrymen, tocava skiffle. E agora Morrison volta à sua adolescência e usa o estilo para dar nova roupagem a uma série de sucessos do gospel, do pop, do blues e do jazz.
Livros
Ervas Daninhas, Lu Xun (Aboio)
Não conhecia esse poeta modernista chinês e achei incríveis esses escritos em prosa poética, publicados entre 1924 e 1926, em sua maioria ,na revista Fio de Linguagem. Traduzidos por Calebe Guerra, são textos que vão de questões cotidianas a existenciais, muitas vezes depressivos, forjados com um pessimismo crítico. Esteticamente, são pioneiros na aproximação com a literatura ocidental.
Adjetivo Feminino, Marina Jerusalinsky (Bebel Books)
Para quem acha que a língua é imutável, esse é um daqueles livros-marreta para abrir a cabeça. Partindo de 59 adjetivos tais como exibida, fraca, gostosa, autoritária, excessiva, arrogante; recolhidos a partir da experiência de mais de 40 mulheres, a autora faz seu próprio dicionário, torneando as palavras com ácido.
Filmes
Medusa, Anita Rocha da Silveira (cinemas)
Esse filme de terror segue uma linha ensinada pelos zumbis de Romero: usa o pop para fazer crítica política, sem deixar de fazer um cinema de gênero esperto e divertido. A história de uma gangue de garotas evangélicas de classe média que ataca meninas que consideram promíscuas é temperada pelo humor e por um crítica nada velada às primeiras damas Michelle Bolsonaro e Marcela Temer.
Holy Spider, Ali Abassi (Mubi)
Uma porrada que deu prêmio de melhor atriz em Cannes para Zar Amir Ebrahimi. Baseado em uma história real, o filme é protagonizado por uma jornalista que investiga um serial killer que mata prostitutas na cidade de Mexede, no Irã. Para fazer pensar na combinação destruidora de fanatismo religioso e machismo.
Séries
Dom (Prime Video)
Amanhã é a estreia da segunda temporada de Dom, uma das melhores séries brasileiras recentes, que conta a história real de Pedro Dom: um jovem de classe média do Rio que acaba se tornando um dos maiores assaltantes de prédios de luxo na cidade no começo dos anos 2000.
Ted Lasso (Apple TV+)
Começou agora a terceira temporada de uma das comédias mais premiadas dos últimos tempos. A história, para quem não sabe, fala da ida de um treinador de futebol americano para a Inglaterra, para treinar um time de futebol de verdade. Mas o que era pra ser uma vingança durante um divórcio, acaba seguindo por outros caminhos.