O Novas Frequências é meu festival preferido no Rio de Janeiro, de longe. Sua 13ª edição aconteceu em dezembro passado, bem quando estávamos fazendo o Música Estranha aqui em São Paulo. Perdi com dor no coração. Nesta semana, contudo, saiu um filme bem bacana que conta como foi essa edição carnavalesca do festival que, para a minha tristeza, talvez não role neste ano. Poxa, Rio, ficar sem o Novas Frequências é muito ruim. Se você conhece uma marca ou um mecenas que queira manter acesa a chama desse chacoalhão na cultura carioca, me manda um alô que faço a ponte com o criador do festival.
Discos
Canhoto de Pé, Thiago França (YB Music)
Thiago França nem precisava dar esse título, quem tem um bom par de ouvidos sabe que ele é craque. O disco abre e fecha com solos. Gosto especialmente das incursões mais jazzísticas sem perder o tempero brasileiro dos temas com Marcelo Cabral no baixo e Wellington "Pimpa” Moreia na bateria e percussão. E no meio tem duas joias: Dor Elegante, uma conversa de sax e voz entre Thiago e Juçara Marçal, e Ajuntó de Xangô, com a percussão de Luisinho do Jêje e Kainã do Jêje, do Aguidavi do Jêje. Bom pacas.
Donatural - Ao Vivo, João Donato (Biscoito Fino)
Esse é daqueles casos de discos incríveis que chegam tarde ao streaming, mas chegam. João Donato tem sempre uma elegância, além de um suingue meio caribenho, e ele está radiante nessas músicas que faziam parte de uma gravação para um DVD em 2005. São músicas icônicas em versões com Gilberto Gil, Joyce Moreno, Leila Pinheiro, Angela Ro Ro, Marcelinho da Lua e Marcelo D2.
Life Is Funny That Way, Fay Victor (TAO Forms)
Entrei numa vibe jazzy nessa newsletter. E um dos discos mais incríveis que ouvi neste ano foi essa incursão da cantora de Nova York pelo universo musical de Herbie Nichols, o compositor de Lady Sings the Blues, icônica na voz de Billie Holiday. O jeito como Fay Victor se aproxima das canções tem mais a ver com os experimentos da turma do ICP: ela cria letras e arranjos para que sua voz seja mais um dos instrumentos em diálogo com seus pares.
Lamentations, John Zorn (Tzadik)
Aqui um outro tipo de jazz, não menos inventivo. John Zorn compõe e rege uma homenagem ao poeta Dylan Thomas com peças para três guitarras. Poderia ser a coisa mais chata do mundo — a despeito da inspiração no poeta galês— se os guitarristas não fossem três das vozes mais distintas do instrumento: Bill Frisell, Julian Lage e Gayan Riley, que vêm gravando álbuns incríveis com Zorn desde 2019.
Livros
Folk Music, Greil Marcus (Zain)
Com o subtítulo Uma biografia de Bob Dylan em 7 canções, é um clássico absoluto da escrita sobre música. Marcus, autor de alguns dos melhores textos do auge da Rolling Stone, não só tem estilo escrevendo com uma originalidade no pensar, sem falar no repertório para trazer para a conversa todo o contexto político e cultural. Uma alegria ver o livro em português com a tradução de João Vitor Schmidt.
Livro de Erros, Maria Lúcia Dal Farra (Iluminuras)
”No seu Livro de Erros, o claro enigma da poesia está todo aí. No princípio, vale a lição clássica horaciana: labor limae et mora. Poesia racional, mas não sem emoção. Das palavras, demanda o escrutínio rigoroso do seu sistema de polinização, incluindo cores, espinhos, sem esquecer tumores.” Se o Alcir Pécora escreveu isso, eu não preciso dizer mais nada.
Filmes
Nope, Jordan Peele (Prime Video)
Demorou pra que o último filme de Jordan Peele chegasse ao streaming. Nope é imperdível, para mim, ainda melhor do que Corra!. Contando a história de um casal irmãos que vivem em um rancho na Califórina e começam a presenciar estranhos fenômenos relacionados ao céu. É a deixa pra Peele fazer um suspense psicológico magistral.
Blackbird Blackbird Blackberry, Elene Naveriani (Mubi)
O filme é todo essa personagem Etero. Uma mulher que mora em um lugarejo na Geórgia. Ela nunca parece ter dado muita bola para os homens, vivendo mais no seu mundinho, mas aos 48 anos isso muda abruptamente.
Séries
O Retorno de Simone Biles (Netflix)
Durante das Olimpíadas preferi ver a própria Simone Biles, e estava meio esnobando essa série de só dois episódios sobre a ginasta americana até que a minha irmã falou tão bem que resolvi ver. O legal é que por conta da questão da doença mental, é uma série que fala muito sobre nossos dias. E ajuda o fato de Biles ser fenomenal.
O Rei da TV (Disney+)
Confesso que nem sabia dessa série sobre o Silvio Santos antes de ele morrer no fim de semana. Achei divertido de assistir, com bons atores. Para a gente que é de uma geração que passou horas assistindo a TV aberta, é uma história sem grandes novidades, mas isso importa pouco no fundo.
Podcast
Fiction
A New Yorker não só faz resenhas incríveis como publica ficção ao longo de sua história. Fiction é um podcast mensal com uma proposta bem bacana: junta uma leitura de um texto de ficção com uma conversa com a editora da revista, Deborah Treisman.
A Ladrilho Hidráulico agora é feita também pela Maria Clara Strambi