RELA, Negro Leo (QTV)
Gordinha canibal. Enquanto escrevo volta e meio ela vem, insuspeita e — Gordinha canibal — lá está ela de novo, sem sutileza ocupando meus impulsos de procrastinação. Talvez por que não seja muito fácil pensar em RELA, novo disco de Negro Leo, sem se esquivar de encarar um espelho por demais revelador de um tempo chapado, com pouco espaço para ir além da imagem e da projeção mais básica.
Desde o título nada ambíguo, Rela é sobre sexo. Não sobre a idea romântica de fazer amor. É sobre a busca carnal o que começa nas telas, passa pelas teclas, se realiza na verbalização da sacanagem, no jogo de bate e assopra, na putaria. Uma ideia um pouco chapada, pragmática como os aplicativos que surgem como musas vaticinando a jornada que se incia logo em Date My Age, faixa de abertura com o coro de Bumble, Tinder, Grindr, Happn…
Em pouco menos de meia hora, as o álbum é compostos por faixas que funcionam com estrutura narrativa não-linear, feita de muitas colagens e motivos repetidos. Gordinha Canibal. Apesar — e talvez por conta — da opção pela linguagem mais expliítica, não muito distante da poética crua do funk, há bastante zona cinzenta para pensar no quanto existe de crítica e de apologia dessa ideia de sexo mais mecânica que sublime.
Essa ambiguidade não está apenas nas letras. Musicalmente, também dois movimentos aparentemente antagônicos se repetem ao longo do álbum, como uma trama sobre o qual todo do sentido sonoro será construído.
Uma direção é totalmente fragmentada, traz como jorros — pequenos gozos, se quiser —, elementos da cultura popular de diferentes épocas, mediadas pela tecnologia. Na fabricação desses elementos está o boi maranhense, os breakbeats do jungle, as batidas do funk, a batucada do samba, a verborragia do free jazz, operando em a partir de uma arqueologia de diferentes sedimentos de passado. Essas intervenções são encapsuladas por um mar de sons sintetizados que, apesar de servirem de tela para para os mais diferentes ataques, acabam propondo mais um contínuo sonoro ondulante do que uma resolução.
Nesse ambiente sônico tântrico, em que a expectativa de gozo é sempre adiada, somos confrontados com a nossa libido, presos num simulacro de desejo, negação e projeção. Gordinha canibal.
Amor não se discute
The Way Out of Easy, Jeff Parker (International Anthem)
Comecei a pirar no Jeff. Parker, quando ele foi tocar nno TNT, disco icônico do Tortoise. De lá pra cá, tenho acompanhado seus diferentes projetos e cmo ele ao 57 anos, parece mais aberto do que nunca, com seu estilo exploratório sem perder o contato com a melodia. The Way Out of Easy, foi gravado ao vivo em 2023 com o quarteto formado por Josh Johnson no sax alto, Anna Butterss no baixo e Jay Bellerose na bateria. Com o grupo tocando junto desde 2019, dá para ver que existe uma liga mais sólida entre os quatro, e o disco traz abordagens mais abertas. Um exemplo é como as notas respiram com o andamento lento da longafaixa de abertura Freakadelic, sem perder os elementos do funk, nem os motivos mais cabeçudos a la Thelonious Monk.
Dei play e curti
Bom, aqui são os sons novos que eu curti ouvir neste mês. Claro que dá pra ouvir tudo numa playlist, mas o melhor é sacar um por um.
101, Milkway, Klaus Schultze (SPV Recordings), 4x4, Mu540 (EMPIRE), Amor, Limpe Fuchs (play loud! productions), Area Silenzio, eat-girls (Bureau B), Atlered Forms Trio, Altered Forms Trio (Boomslang Records), Bacuri, Boogarins (ONErpm), Ballads of Harry Houdini, Papa M (Drag City), Carnaval Eu Chego Lá, Giovani Cidreira (Sony, Warner, Dobra Discos), The Circular Train, Ava Mendoza (Palilalia), DaPé, Danilo Penteado (YB Music), Desenredo, nabru (nabru), Dookietown, The Residents (Cryptic Corp), Estado de Espírito, Roberto Barreto, Manoel Cordeiro, Pupillo (Máquina de Louco), Gira, MOMO (Batov Records), Gotta Find a Way, Lorna Gee (Ariwa Sounds), GNX, Kendrick Lamar (Interscope Records), The Hollow, Keeley Forsyth, Kokong, Adrian Myhr Trio (Øra Phonogram), Levs, Kim Cass (Pi Recordings), Light Pollution, Slomo (Independent), Live in Paris, Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou played by Maya Dunietz &. String Ensemble (Latency), Mahashmashana, Father John Misty (Sub Pop Records), Maré Cheia, Meno Del Picchia (pequeno imprevisto), Meridians, Fuubutsushi (Cashed.Media), Mongkok Duel 旺角龍虎鬥, Gong Gong Gong 工工工 & Mong Tong (Rpse Mansion Analog), Mosaic, Fennesz (Touch), Music for Peace and Harmony, Hiro Ama (PRAH Recordings), No More Water: The Gospel of James Baldwin, Meshell Ndegeocello (UMG Recordings), netmotif, AGF (AGF Produktion), Noite de Lua Torta, Mundo Video (Balaclava Records), PALM WINE, YATTA (PTP), Perambule, Clara Castro (independente), Prayer in Dub, Body Meπa (Body Meπa), Rong Weicknes, Fievel Is Glauque (Fat Possum Records), Seven Reorganizations, Beatrice Dillon (HI), Transit Tribe, Ulrich Troyer (4Bit Productions), Tudo que Eu Mesmo Inventei, Flávio Vasconcelos (YB Music), VAZIO OBSCENO, MADRE (Seloki Records),Viator, Adrián de Afonso (Maple Death Records), Weird of Mouth, Weird of Mouth (Otherly Love Records), The Well, SO SNER (TAL), A Willed and Concious Balance, Tomin (International Anthem) e You Are Only Young Once But You Can Be Stupid Forever, Bogdan Raczynski (Disciples).
Pequenino
From the Morning, Flavio Tris (Pequeno Imprevisto/ Lua Rosa)
Lançada no dia em se ceompletaram 50 anos da morte de Nick Drake, Flavio Tris traz essa versão da música que está no terceiro e último disco do inglês, Pink Moon. Nasce do projeto Lua Rosa, com grandes músicos tocando a obra desse que é um dos maiores poetas do folk britânico. Tive a sorte de ver ao vivo em 2019. E adorei ouvir essa versão.
Bumerangue
MM.. FOOD, MF DOOM (Metalface Records & Gas Drawls)
Lançado originalmente em 2004, esse foi um dos meus discos preferidos de rap durante muito anos. MF DOOM era um mestre no jogo de palvras, mas também tinha um jeito muito próprio de falar da vida, com a ironia lá em cima, sem esquecer da violência, do ciúmes, trazendo o mundo dos quadrinhos na nossa vida. Lindo ver essa edição comemorativa — meu CD jeá está quase pedindo arrego – com uma nova arte da capa, feita por Sam Rodriguez. E a versão digital dessa edição que comemora o aniversário de 20 anos do disco traz 11 faixas bônus, incluindo três remixes, uma edição alternativa e sete clipes raros.
Ouvido convidado
Nessa edição chamei o cabra Gilberto Monte, produtor de mão cheia, com uma cabeça pra lá de aberta, pra escrever sobre um disco que ele tenha curtido e ele mandou bem.
Atlântico Negro, Ilessi (Rocinante)
O novo disco de Ilessi, Atlântico Negro, nos convida a sermos vela e nos entregarmos aos ventos que acariciam as águas salgadas que conectam África e Brasil. Ilessi convidou o músico Marcelo Galter (piano, arranjos e produção musical) para navegar em rotas que conectam o Oriente ao Ocidente. Esse é um encontro rico em potência, o encontro entre dois portos: Rio de Janeiro e Salvador, onde dilui-se a pergunta: onde nasceu o samba? No Rio de Janeiro ou na Bahia? Ilessi abraça Galter e, juntos, nos levam a uma jornada diaspórica por diversas sonoridades da música brasileira, entre a MPB/jazz até a intensidade dos cantos ancestrais dos terreiros. A entrega e catarse do canto de Ilessi são emocionantes. A percussão precisa de Luizinho do Jêje soma-se ao pensamento harmônico e rítmico de Galter, que juntos constroem um rico universo sonoro para a voz de Ilessi navegar ora pela calmaria, ora pelas tormentas das águas deste Atlântico Negro. Ancestralidade e contemporaneidade juntos em sua plena potência: esse é o resultado sonoro de Atlântico Negro, álbum em que Ilessi nos convida a mergulhar nas contradições e encantos de um Brasil profundo.
Uma playlist
Minha namorada diz que cada vez mais gosta de músicas com vocal feminino. Para o aniversário dela, fiz essa playlist com 100 canções deste ano cantadas por mulheres. Como sou eu, tem todo tipo de som.
Pra quem recebeu no email, foi mal o pastel no título. Mas corrigi :)