O ano está acabando e queria agradecer a cada um de vocês que embarcaram na viagem deste pequeno guia que é a Ladrilho Hidráulico. Já chegou aquele momento de compartilhar a agenda cultural com milhões de compromissos, festas, amigos secretos, idas às compras. E, claro, os eventos bons vão dando aquela minguada. Esta vai ser a última edição do ano, vou recarregar as energias, viajar um pouco e volto com ela no começo de janeiro. Desejo a todos que as festas sejam ótimas, que os eventuais bolsonaristas da família estejam com o rabo entre as pernas e que 2023 seja bem mais leve.
Pra sair de casa
Abriu ontem no Masp, a primeira individual da artista mineira Cinthia Marcelle. Por Via das Dúvidas fica em cartaz até 26 de fevereiro do ano que vem e traz as inquietações da artista em 49 obras, produzidas ao longo das últimas décadas e que utilizam diferentes formatos, sendo que 10 delas foram criadas para a mostra curada por Isabella Rjeille, em diálogo com o espaço do museu. O trabalho de Cinthia Marcelle parte de uma observação das dinâmicas sociais e culturais e carrega forte expressão política. Talvez por isso tenha escolhido para ilustrar a edição de hoje a obra De Vermelho em Vermelho, feita com fita adesiva colada sobre papel.
Com a coleção Igor Queiroz Barroso, começa hoje o programa Instituto Tomie Ohtake Visita, que traz diferentes visões curatoriais para acervos como este que vem do Ceará. A exposição Centelhas em Movimento trará cerca de 190 obras e curadoria de Paulo Miyada e do artista e curador convidado Tiago Gualberto. A mostra é gratuita e fica em cartaz até 19 de abril de 2023.
Fica em cartaz até domingo e depois volta 13 de janeiro, o clássico moderno Três Mulheres Altas, de Edward Albee, com Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill no elenco e direção de Fernando Philbert.
Hoje no Porta rola o Psicomanto, com shows de Antiprisma e Retrato, um encontro sinestésico de música e poesia com leituras de Diogo Cardoso, Jeanne Callegari, Rodrigo Qohen e Lia Petrelli e sonorização de Bernardo Pacheco, Carol Encanto, João Lucas Ribeiro e Zé Mazzei. E ainda tem exposição de desenhos de Felipe Corsini e colagens de Debbie Hell e projeções de Fernanda Suaiden, Vitor Cohen e Vinicius_mp4. E amanhã tem a última Pista Quente do ano no lugar onde ela começou.
Já na Associação Cultural Cecília hoje tem curadoria do Brava com shows de Bruno Trchmnn com Cacá Amaral, o trio de Paula Rebellato, Mari Crestani e #≠, e discotecagem de Tatiana Meyer, Paulo Beto e Apolônia Alexandrina. Já na sexta, tem Polara + Duo Chipa, com um brinquedo de entrada.
Hoje é dia de poesia. No Sesc Pompéia acontece o POEMACOMBATE. O show Todas as Sombras do Paraíso combina os sons da banda formada por Taciana Barros, João Parahyba e Mauro Dahmer com leituras feitas por Natália Barros, Preta Ferreira, Ian Uviedo, Marcelo Rubens Paiva e Max B.O.. Nesta edição, vão rolar também leituras de Feliz Ano Velho, que celebra 40 anos de lançamento.
Na sexta, o Sesc Pinheiros recebe o encontro do piano de André Mehmari com o cello de Rafel Cesario.
Os incríveis Los Sebosos Postizos tocam Jorge Ben Jor na sexta e Bob Marley no sábado, no Sesc Pompeia.
Já na sexta e no sábado, o seminal Câmbio Negro celebra 30 anos de rap no Sesc Belenzinho. E de sexta a domingo, Letrux encara Transa, de Caetano Veloso, no Sesc 24 de Maio. Também na sexta e no sábado o baixista Jorge Helder lança Caroá na Casa de Francisca, que encerra o ano com um baita show na quarta e na quinta: Encruza: Metá Metá + Passo Torto.
No sábado Luedji Luna leva o show Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água à Casa Natura Musical. No mesmo dia, o projeto Encontros Históricos tem sua última edição na Sala São Paulo. Com a Brasil Jazz Sinfônica por trás, Dora Morelenbaum, Lívia Nestrovski, Rubel e Tim Bernardes cantam Gal Costa. Os ingressos estão esgotados, mas terá transmissão pelo YouTube às 22h.
Pra fechar bem o ano, sábado de tarde tem a festa Compacto, na Balsa, com os DJs Marky e Elohim e seus disquinhos.
Dá pra sair da Balsa e ir para o fechamento das comemorações dos 10 anos da festa Selvagem, com som de Lys Ventura, Trepanado, Zopelar e From House to Disco.
No domingo Mestrinho, gênio da sanfona, faz show no Canto da Ema.
Discos
Sal, Anelis Assumpção (Taurina)
Eu sou louco não só pela voz da Anelis Assumpção, mas pelas suas composições, por como ela passeia pela MPB, pelo soul, pelo reggae sem nunca soar como um pastiche ou como algo requentado. E, claro, pelas suas letras, que estão cada vez mais maduras. Em seu quarto álbum, ela aposta em trocas. Todas as faixas tem vocalistas convidados. Tirando seu marido Curimim, as outras dez são mulheres, desde artistas com quem tem uma longa história de colaboração, como Céu e Iara Rennó, até novas experiências, como com a trinca de baianas Jadsa, Luedji Luna e Josyara, por exemplo.
Kalak, Sarathy Korwar (The Leaf Label)
De certa forma, a própria biografia deste baterista conta um pouco sobre sua música. Radicado em Londres, próximo tanto da cena de jazz quanto da de eletrônica, ele nasce nos Estados Unidos, filho de indianos. Natural que o jazz corra solto por suas baquetas, mas também os ritmos orientais, com suas divisões próprias, e os polirrítmos africanos. Mas o mais forte neste quarto disco não é tanto a multiplicidade rítmica, nem o quando ele inova na parceria com o produtor eletrônico Photay e seus synths matadores. Para mim, o mais crucial desse trabalho, assim como os anteriores, é como dar forma a uma música que é essencialmente política, com um viés decolonial tanto nas palavras como nos sons.
Caroá, Jorge Helder (Biscoito Fino)
O cearense Jorge Helder é um desses baixistas que você já ouviu mas talvez não saiba, já que ele toca numa lista gigante de discos que vão de Chico Buarque a Maria Bethânia. O bonito desse disco que tem nome de bromélia é buscar inspiração em suas raízes, mas fazer uma música que em essência traz essa mescla fecunda de MPB e jazz. E ajuda um pouco a banda formada por virtuosos como Chico Pinheiro na guitarra, Tutty Moreno na bateria, Helio Alves no piano e Marcelo Costa na percussão. São basicamente temas instrumentais, mas em três deles a voz entra como um instrumento. E que vozes: Monica Salmaso, Zé Renato e Sérgio Santos. E ainda tem o sax doce de Zé Nogueira em Impressão Perfume.
SOS, SZA (Top Dwag Enterteinment/RCA)
Para terminar o ano numa pegada pop, tem essa pedrada da SZA. Fazia cinco anos que essa pequena mestra do R&B não lançava um álbum, desde sua estreia com Crtl. E parece que fez bem esse tempo para sedimentar as letras que trazem dilemas dos millenials como superexposição, euforia e liberdade sexual com um lado de inadequação social e depressão. E como ela sabe brincar com beats e melodias, flertando com a liberdade e a extensão do jazz sem deixar de ser pop. De quebra o disco traz participações de Phoebe Bridgers, Ol' Dirty Bastard, Travis Scott e Don Toliver.
Livros
Expresso 2222, Ana Oliveira (Iyá Omin Edições)
Imagina pegar um dos melhores discos da música brasileira e pedir pra gente que entende do assunto escrever sobre cada uma das faixas e para artistas visuais fazerem uma ilustração inspirada em cada uma delas. Pois é, essa ideia brilhante de Ana Oliveira se materializou neste livro-objeto maravilhoso. Taí um bom presente de Natal (principalmente para mim, hehe).
Nós Somos Muitas, Pedro Meira Monteiro (Relicário)
Com o subtítulo de ensaios sobre crise, cultura e esperança, o livro reúne textos escritos nos últimos 10 anos, portanto com gradações bem distintas sobre nossas camadas de infortúnios. São textos sobre música, literatura, artes visuais e cinema em que muitas vozes ecoam e que têm como uma espécie de fio condutor uma esperança na possibilidade de uma sociedade menos desigual.
Filmes
A Morte Habita à Noite, Eduardo Morotó (cinemas)
O primeiro longa do diretor pernambucano coloca um pé na literatura marginal, no universo alcoolista de autores como Charles Bukowski, para lidar com a masculinidade contemporânea de Raul, personagem vivido por Roney Villela, que, numa noite melancólica, se vê encontra em três relações com mulheres: uma que traz o esgarçamento do amor, outra que acende uma fagulha de esperança e uma terceira que leva ao universo do sonho.
El Hoyo en la Cerca, Joaquin del Paso (Mubi)
Um grupo de jovens vai para um acampamento de verão no interior do México, onde eles devem receber educação para se tornarem membros exemplares da elite do país. Mas um literal furo na cerca faz com que essa viagem que tem tudo para ser idílica e formativa se transforme completamente pelo medo.
Séries
Bem-vindos à Vizinhança (Netfix)
Dos mesmos produtores de Dahmer, essa minissérie em sete episódios se inspira em uma história real para contar a história de um casal que se muda com dois filhos para uma casa no subúrbio e começa a viver uma série de ameaças perturbadoras. Vale pelo elenco de peso, com Bobby Cannavale, Naomi Watts, Jennifer Coolidge e Mia Farrow.
Slow Horses (Apple +)
Saiu a segunda temporada dessa ótima série britânica de espiões fracassados que vão parar na segunda divisão do MI6. A série é uma adaptação dos livros de espionagem de Mick Herron e traz um Garry Oldman brilhante como o chefe dos agentes que caíram em desgraça.
Um podcast
OK, é meio chover no molhado, mas queria terminar o ano indicando a terceira temporada do Mano a Mano, esse podcast de entrevistas do Mano Brown, que merece ser ouvido por completo e tem sempre entrevistas reveladoras. Meu top 5 dessa nova leva são: Angela Davis, Silvio Almeida, Linn da Quebrada, Charles do Bronx e Djavan. Mas, na real, são todas ótimas.