Antes de tudo, um feliz ano novo. Janeiro normalmente é quente no tempo e meio morno nos acontecimentos. Não este janeiro, que começou gelado aqui em São Paulo e acalorado pela a beleza e o simbolismo da posse de Lula. Só que uma semana depois Brasília ferveu com o 8 de janeiro, nosso Capitólio tabajara, o evento histórico mais deprimente que pude testemunhar nessa minha existência não tão breve.
Até por isso, nesta edição vou inverter a ordem das coisas nesta newsletter para dar destaque à série documental Extremistas.br, de Caio Cavechini, que estreou ontem na Globoplay. Em 8 episódios, dos quais 3 já estão disponíveis, a série mostra as entranhas desse movimento de extrema direita que culminou na destruição das sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, com a omissão (talvez conivência) da polícia militar de Brasília e da inteligência do Exército. Aos que prezam a palavra inteligência, minhas sinceras desculpas por insultá-la por proximidade.
Mas vamos lá: temos várias coisas para divertir o intelecto nesta semana aqui em São Paulo, sem a contaminação das cavalgaduras fardadas.
Para sair de casa
Essa imagem feita pelo Ricardo Stuckert durante a posse Sonia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas foi das mais lindas produzidas nesta semana. Já que o assunto é a mescla de indígenas e imagens, vale muito a visita à exposição Xingu: Contatos, no IMS da Paulista. A exposição estabelece diálogos entre fotografias e filmes produzidos por não indígenas desde o século 19 e o trabalho atual de cineastas, artistas e comunicadores de povos do Xingu e de outras origens.
Tem duas mostras muito legais em cartaz no Museu das Favelas. A primeira é Favela-Raiz, que em cinco espaços debate a formação da identidade das pessoas desse território, explorando a ancestralidade, as mulheres, a força do trabalho e os abrigos materiais e afetivos. A outra é Identidade Preta, que fala dos 20 anos da Feira Preta, com curadoria de Adriana Barbosa e José Nabor.
Já no Ateliê 347 acontece a coletiva O Direito ao Futuro - exercido no presente, feita a partir de trabalhos criados em residências da Uberbau_house por mais de 70 artistas de 16 países da América Latina, Europa e Ásia.
Estreia amanhã no Teatro Anchieta a peça Gabinete de Curiosidades, em que Arlete Cunha e Zé Adão Barbosa vivem dois atores nonagenários que moram em um asilo de um país fictício em 2040 e resolvem participar de um edital para montar um espetáculo teatral. Com direção de Luciano Alabarse e dramaturgia de Gilberto Schwartsmann, fica em cartaz até 22 de janeiro, sempre às sextas, sábados e domingos.
Amanhã, Hamilton de Holanda apresenta Flying Chicken com seu trio no Blue Note.
Também na sexta, na Associação Cultural Cecília, Carla Boregas e Maurício Takara lançam o disco Grande Massa D’Água, o segundo do duo, com abertura de MNTH. E, no domingo, rola uma festa de lançamento do vinil e do K7 na Intercommunal Music.
Para quem gosta de se aventurar, sábado no Porta tem a dupla formada pela vocalista argentina Lara Alarcón com o guitarrista suíço Cyrill Ferrari. Depois se apresenta o multiartista peruano radicado na Suíça Luiz Sanz.
Começando cedo no sábado, a Laje traz três shows: Felipe S + Marília Parente, Lúcifer Kabra e Ella from the Sea.
A Casa de Francisca volta com tudo nesta semana. Hoje e amanhã tem Metá Metá, no domingo o show Tulipa Noire, com os irmãos Tulipa e Gustavo Ruiz em voz e violão, e na terça e na quarta, a voz divina de Virgínia Rodrigues.
No universo pop, Anitta faz show domingo no Memorial da América Latina.
Indo para o mundo Sesc, hoje e amanhã tem Otto no 24 de Maio e Fernanda Takai no Pompeia. Giovani Cidreira se apresenta amanhã no Belenzinho. Na sexta e no sábado rola Cordel do Fogo Encantado em Guarulhos. No sábado, em Santo André, tem a percussão de Alessandra Leão e Sapopemba e, no Belenzinho, Lívia Matos. Sábado e domingo rola Josyara no 24 de Maio, Lucas Santanna no Ipiranga e Arnaldo Antunes com Vitor Araújo no Pompeia.
Discos
Hyper-Dimension Expansion Beam, The Comet Is Coming (Verve/Impulse!)
Das muitas bandas do saxofonista Shabaka Hutchings, este trio formado com Dan Leavers nos teclados e Max Halett na bateria é o meu preferido. O que mais me encanta no som deles, e que aqui é cumprido à perfeição, é a disposição para explorar diferentes elementos do jazz, do rock e da eletrônica, tratando cada faixa com singularidade e driblando todos os clichês, seja dos gêneros separadamente, seja das suas fusões.
Cursed Brazilian BeatsVol 2. - Satanique Samba Trio (independente)
Como o diabo em pessoa, tudo em relação ao Satanique Samba Trio é enganoso. Não é um trio, não toca samba exatamente e, se bobear, nem tem parte com o tinhoso. Esse EP, lançado no fim do ano passado, é uma ode à concisão. São quatro músicas hiper curtas, quase brincadeiras com levadas eletrônicas abrasileiradas, mas brilhantes em sua economia. Os maiores venenos…
No Thank You, Little Simz (Forever Living Originals)
Meu disco preferido de hip hop do ano passado. Por que? Basicamente porque o flow dessa mulher é de uma singularidade acachapante, assim como o seu domínio sobre a poesia, sobre as rimas, sobretudo as internas, e, claro, pela temática de constante afirmação do poder da mulher negra, a despeito das desigualdades e do preconceito. Fora isso, tem o som. Trabalhando com samples e beats ou com instrumentos ao vivo, ela surfa nas linguagens do hip hop e sempre traz achados musicais surpreendentes.
EVERY LOSER, Iggy Pop (Atlantic Records)
Ok, aqui eu preciso ser sincero. De verdade, de todas as músicas eu gostei para valer só de Comments. Mas é o Iggy Pop do auge dos seus 75 anos e quem sou eu pra reclamar que ele ainda se joga no rock'n'roll? Talvez seja um sinal da minha própria madureza achar que o rock de hoje muitas vezes parece som da terceira idade. Por mais que muitas dessas novas músicas soem como versões pioradas de glórias do passado, eu ainda amo a voz e a atitude do Iggy Pop, só não posso dizer o mesmo da criatividade. Mas aí vale a pergunta: precisa ser sempre criativo e inovador?
Livros
Um Defeito de Cor - Edição Especial, Ana Maria Gonçalves (Record)
Confesso que não tinha visto a edição especial desse monumento que é Um Defeito de Cor, um livro desses que todo mundo que gosta de literatura precisa ter em casa. Mas essa edição vem com capa e ilustrações de Rosana Paulino, uma das artistas visuais que têm um dos trabalhos mais potentes hoje. Juntar as duas foi uma ideia brilhante.
Alimenta Estes Olhos, Marcelo Quintanilha (Veneta)
Ninguém tem dúvidas de que o vencedor do prestigiado Angoulême é dos maiores quadrinistas em atividade no Brasil. Esse livro, que reúne histórias feitas ao longo dos últimos 20 anos, incluindo inéditas e clássicas, como Sábado dos meus Amores e Almas Públicas, é um convite para olhar o Brasil. Na verdade para enxergar o brasileiro com lentes poéticas, nostálgicas e, às vezes, cômicas.
Filmes
Os Fabelmans, Steven Spielberg (cinemas)
Filme autobiográfico, vencedor do Globo de Ouro no último fim de semana, conta a história do jovem Sammy Fableman que se apaixonada pelo cinema e começa a fazer filmes caseiros.
Věra Chytilová e a Nouvelle Vague Tcheca (Centro Cultural São Paulo)
A primeira parte da mostra de filmes que podem ser assistidos pela plataforma CCSPLlay vai até domingo. Na sequência, vem a segunda parte, que fica disponível até 15 de fevereiro, mesclando filmes da cineasta com outros de realizadores que a influenciaram, como Milos Forman.
Uma playlist
No fim do ano minha mulher disse que gostava de Leonard Cohen mas que nunca tinha de fato mergulhado na obra dele. Para ajudar, fiz uma playlist com as minhas 50 músicas preferidas do bardo canadense, numa ordem totalmente umbilical.