Não foi fácil escrever esta newsletter logo depois de saber da morte da Gal. A voz dela não cabe numa vida, eu sei. É essa coisa bossa nova e rock and roll. É convite, chamego, festa, desbunde, e é ainda o mergulho na tristeza mais abissal e a luz que tira dessas trevas. No meu ouvido acostumado a Gal desde o berço, ela sempre foi a maior, a voz mais linda, mais potente, mais expressiva. Então hoje essa seleção vai ser barato total, pra ela.
Se quiser, pode ler ouvindo essa lista que fiz a quente, selecionando uma música de cada um dos 50 álbuns dela que encontrei no Spotify, entre discos de estúdio, ao vivo e coletâneas. Prova de que Gal não morre nunca.
Pra sair de casa
Vai até domingo, dia 20, a trigésima edição do Festival MixBrasil. Como sempre, é uma maratona de filmes de temática LGBTQIA+. Neste ano são 119 filmes de 35 países, com destaque pra Closer, de Lukas Dhont, vencedor do Grand Prix no Festival de Cannes, o documentário Nelly & Nadine, de Magnus Gertten, vencedor em Berlin, Girl Picture, de Alli Haapasalo, premiado no Sundance, e Paloma, de Marcelo Gomes, que levou o prêmio de melhor longa de ficção no Festival do Rio.
Nesta edição do MixBrasil, a programação inclui também um festival de música com Assuena e Felipe Catto como principais artistas, e umas programação com seis peças de teatro inéditas de autores que vivem no Brasil como Natália Mallo e Marcelo D’Ávilla. Os espetáculos terão sessões até terça no Sérgio Cardoso, com transmissão pela plataforma Cultura em Casa.
Ainda para quem curte teatro, a partir de sábado o Teatro Anchieta recebe a montagem O que nos Mantém Vivos?, dirigida por Rogério Tarifa. É um diálogo com a peça de 1973 O que Mantém um Homem Vivo? e, portanto, com a dramaturgia de Bertold Brecht, já que usa fragmentos de Galileu Galilei, Santa Joana dos Matadouros e A Irresistível Ascensão de Arturo Ui. Com Renato Borghi, Débora Duboc, Elcio Nogueira Seixas, Cristiano Meirelles e Nath Calan.
Já pra quem é de dança mais experimental, hoje e amanhã tem o espetáculo Gema, de Marion Hesser, no Teatro Centro da Terra, lembrando que, por lá, na segunda ainda tem o segundo show da residência da Ava Rocha, Femme Frame.
Já tinha falado da exposição Silêncio, da Sonia Guggisberg, que segue na Maria Antonia, e meu amigo Henk Nieman, que sabe tudo de artes visuais, indicou uma outra que acontece no mesmo espaço: Cadeu, do carioca Alexandre Murucci, com curadoria de Shannon Botelho. Fica em cartaz até janeiro, mas pode ser uma boa no feriado.
No sábado, às 11h, tem a abertura da exposição (In)Visible Within, primeira individual de Daniel Mullen na galeria Zipper. Um conjunto de pinturas em que as cores interagem entre si.
E uma das minhas festas preferidas, a Java, rola no sábado promovendo o vaporoso encontro da turma do Dubversão Sound System com ninguém menos do que o mestre absoluto Mad Professor.
Para quem estiver no espírito que queimar a largada no feriado, hoje tem Pista Quente no Miúda, com aquela classe costumeira do encontro entre Akin Deckard e Benjamin Sallum. Mas fica esperto porque o rolê é cedo, vale chegar umas 19h.
De música boa, hoje tem Edgar, um dos artistas mais inovadores do hip hop, e Febem no Cineclube Cortina. Amanhã tem o gênio tropicalista Tom Zé levando ao Studio SP o seu Língua Brasileira. E sábado rola Alceu Valença com Orquestra Outro Preto no Espaço Unimed. Também no sábado, a Sala São Paulo recebe os pianistas Pablo Ziegler e Masae Shiwa para uma noite de tango no FIP Jazz. Já no Municipal, amanhã e depois a orquestra da casa encara dois programas de sinfonias de Brahms, com regência de Roberto Minczuk.
No mundo Sesc, tem Luedji Luna amanhã em Guarulhos, que recebe Amelinha no fim de semana. Na sexta no Pompéia tem 50 anos de Carlos Dafé. E, no Belenzinho, Áurea Martins mostra seu novo disco amanhã e sábado.
Já no pós-feriado tem a comemoração dos 80 anos de Nei Lopes na Casa de Francisca na quarta e na quinta.
Discos
Tudo É Eterno, Nada É para Sempre, The Wxlker (HominisCanidaeREC)
Esse é um disco para quem curte beats, espacialidade e uma certa sujeira controlada. O segundo álbum do beatmaker paulistano não traz nenhuma revelação acachapante, mas nos leva a navegar suavemente por territórios conhecidos do downtempo, jazz, trip hop, com aquela texturinha de fita aconchegante.
Flying High, LMD (SomeOthaShip Connect)
O supergrupo de rap formado pela trinca LMNO (leia-se ‘Elemental’), MED e Declaime se juntou a ninguém menos do que o genial mestre da sampladelica Madlib para este novo lançamento. O que esperar além de rimas afiadas sobre bases surpreendentes feitas de amostras obscuras? Space cookie fino para a massa.
Hold the Girl, Rina Sawayama (Dirty Hit)
O segundo álbum da britânica de origem japonesa consegue um resultado coeso a partir de uma miríade de impulsos pop que vêm de fontes dos dois lados do Atlântico, como o R&B norte-americano e o eurodance hi-NRG, mas vai além e chega a flertar até com música indiana. O principal, pra mim, é que consegue fazer isso tudo com boas letras, o que não é pouco dentro do universo do pop.
Broken Unbroken, Chad Fowler, William Parker, Anders Griffin (Mahakala Music)
Quem me conhece sabe que, para mim, não existe baixista que se iguale a William Parker, muito por conta de como ele consegue encontrar caminhos inesperados sem perder o pulso. Neste trio com sax e bateria, ele segue os passos das melodias de Fowler no sax, exploradas em dois temas improvisados livremente.
Livros
O Fato e a Coisa, Torquato Neto (Fósforo Editora)
Não consigo pensar em Gal sem pensar no Torquato, que nos deixou em um outro triste novembro há 50 anos. Esse volume é a reedição do único livro organizado em vida pelo poeta piauiense, espinha dorsal da poesia da Tropicália. Aos textos originais, somam-se outros poemas da juventude de Torquato.
Afetos Sísmicos, Rodrigo Carneiro (Terreno Estranho)
Desde o Mickey Junkies, que povoou meus ouvidos quando estava na faculdade, eu gosto muito de como o Rodrigo Carneiro escreve. Aqui neste seu segundo volume de poemas, ele reúne desde versos pandêmicos e até algumas criações mais antigas feitas para os Trovadores do Miocárdio.
Filmes
A Mãe, de Cristiano Burlan (cinemas)
Neste filme de ficção seguimos a história de Maria, uma mãe solteira que mora na periferia de São Paulo e, ao voltar para casa à noite, não encontra seu filho adolescente. Ela parte em busca do filho, confrontando o tráfico e a polícia.
A Mesma Parte de um Homem, de Ana Johann (Mubi)
Partimos de um núcleo familiar formado por um casal e uma filha adolescente, vivendo isolados na roça. A mãe, Renata, é uma personagem que assume um papel subalterno no casamento, e vive dominada pelo medo. Uma série de eventos que culminam com a chegada de um estranho que muda essa situação.
Séries
The Crown (Netflix)
A série sobre a vida da rainha Elizabeth II chega à quinta temporada logo após a morte da monarca em setembro. Um dos trunfos de The Crown é justamente unir ficção e realidade, e esta nova temporada trata de um dos episódios mais delicados para a monarquia inglesa que foi a separação do príncipe Charles, agora rei Charles III, da princesa Diana.
O Nome Dela É Gal (YouTube)
Bom, para terminar essa newsletter, não vou dar mais um lançamento, mas uma série documental incrível, em quatro episódios, dirigida pela Dandara Ferrreira para a HBO em 2017 (Aqui o que escrevi na época). Dandara está finalizando um filme de ficção sobre a Gal, que eu aguardo ansioso. Dei o link do YouTube porque, nessas fusões, a HBOMax está cada vez pior e coisas lindas como esta série ou 2022, a série que me fez encontrar a Gal pessoalmente pela última vez, não estão mais no catálogo. Uma tristeza.