Quando não havia ainda a demarcação de suas terras, Caetano Veloso cantava sobre os Yanomami na floresta em tom de alerta em Fora da Ordem, isso há 30 anos. Hoje, é impossível não ser impactado pelas imagens das crianças Yanomami desnutridas. Tão horríveis que preferi não publicar aqui. Deixo uma foto de quem pode fazer algo para reverter essa situação: Davi Kopenawa. Para quem achava que deixar passar a boiada em favor de garimpeiros, pecuaristas, madeireiros era algo abstrato, essas imagens, que na minha memória só têm paralelo nos registros das nas crianças etíopes nos anos 1980, dão uma dimensão muito concreta da sanha genocida bolsonarista, uma dimensão do pensamento atrasado sobre progresso que infelizmente seduz mais de um terço da população brasileira.
Vi essas imagens ao voltar de um retiro xamânico, em que estava lendo o excelente O Desejo dos Outros - uma etnografia dos sonhos Yanomami, da Hanna Limulja, publicado pela Ubu. Li o livro pensando muito também em Para Que o Céu Não Caia, espetáculo de dança da da Lia Rodrigues que ganhou o prêmio Bravo em 2017, diretamente inspirado pelo A Queda do Céu, do Davi Kopenawa e Bruce Albert, que também está muito presente no livro da Hanna. A verdade é que toda a sabedoria ancestral dos povos originários me diz mais sobre o futuro que quero para mim e para a sociedade do que muito da cultura eurocêntrica que me formou. Espero que dê tempo de mais brasileiros perceberem aquilo que, em outra canção de Caetano, parece estar oculto quando terá sido sempre o óbvio.
Para sair de casa
Vai só até o domingo, dia 29, no galpão do Sesc Pompéia a exposição Flávio de Carvalho Experimental, com curadoria de Kiki Mazzucchelli, que propõe um diálogo entre a obra plural do modernista com 12 artistas contemporâneos como Maxwell Alexandre, Panmela Castro e Guerreiro do Divino Amor.
A mostra Memórias da Independência, que expande o olhar para os movimentos pela independência no século 19 no Brasil, abriu ontem, no aniversário de São Paulo, inaugurando o espaço de 900 metros quadrados para mostras temporárias no recém reformado Museu do Ipiranga.
Dois projetos abrem no sábado no Auroras. Uma é a instalação de Quebrada, de Alexandre da Cunha. A outra é a mostra Greens in Blues da americana Sarah Crowner, que também terá obras do seu duplo Blues in Greens exibidas na Casa de Vidro.
Está em cartaz no teatro Unimed o espetáculo Molly Bloom, baseado no monólogo da personagem de Ulisses, de James Joyce, com direção de Daniela Thomas e Beth Coelho. Fica até 26 de março.
A peça Outono Inverno ou o Que Sonhamos Ontem, de Lars Nóren com direção de Denise, que já foi indicada por aqui quando estava no Itaú Cultural, agora tem temporada no Teatro Aliança Francesa até 5 de março.
Já o clássico Ubu Rei ganha montagem de Gabriel Villela com Os Geraldos, no Sesc Consolação.
E segue até sábado na Cinemateca Brasileira a Mostra Nordestern: Bangue-Bangue à Brasileira.
Até sábado rola a SIM São Paulo, que completa 10 anos com muitos shows no Central e espalhados pela cidade.
Amanhã, no Cineclube Cortina, tem a festa Grau, com Febre 90s e Peroli. No sábado tem edição carnavalesca da Coletânea com DJ Carlu convidando a DJ Luanda Baldijao no Prato do Dia.
Hoje na Associação Cecília rola a Norte É Agora, com exposição e show de Raidol, Kikito e Joana Marte. E no Laje SP, tem a Future Basement, com Marina Gasolina, Der Baum, Norvana e Frecobol e discotecagem de Veronika Gubert.
Amanhã no Bananal tem Felinto, Yantra e MNTH.
Sábado é dia de cumbia punk no Porta com Bazuros, Drama e DJ Rafa, já BK apresenta Icarus na Audio. Num domingo mais clássico, Flávio Venturini faz show no teatro J Safra. Antes, às 15h no IMS, tem o samba-rock de Geovana, comemorando 50 anos de carreira.
Esquentando o carnaval, terça rola Cornucópia Desvairada e, na quarta, o samba de Douglas Germano com o grupo Batuqueiros e sua Gente na Casa de Francisca.
Também na quarta, no Centro da Terra, M. Takara e Carla Boregas convidam Marina Cyrino, ainda na leva de apresentações do Grande Massa D’Água.
No mundo Sesc, hoje tem Zeca Baleiro no Bom Retiro. Amanhã Marisa Orth, Karina Buhr e Taciana Barros cantam Belchior em Guarulhos e, no Belenzinho, rola o velho punk do 365 e Alex Antunes & Death Disco Machine. Na sexta e no sábado, o Bom Retiro recebe ninguém menos que o bruxo Hermeto Pascoal, e Mart'nália se apresenta no Pompéia. Sábado tem ainda Alaíde Costa em Guarulhos e Samuca e a Selva no Belenzinho. Fechando o fim de semana, domingo Péricles Cavalcanti faz show no Belenzinho e Juçara Marçal no Bom Retiro. Lembrando que mesmo que apareçam esgotados no site, quase sempre dá para comprar os ingressos em uma unidade do Sesc.
Discos
Graffitti in Sapce, Strategy (Constellation Tatsu)
Para mim foi muito bom reencontrar o som do produtor de Portland Paul Dicow. No começo dos anos 2000, eu pirava muito em Future Rock, um disco que colocava na mesma gaveta que o Caribou. Nesse novo lançamento, que sai fisicamente em k7, a exploração é pelos vapores do dub techno, e várias salinhas escapistas se abrem ao longo da audição.
The Dovecote Sessions, Laura Cannell (Brawl Records)
O violino é o primeiro instrumento da britânica Laura Cannell, e nos últimos anos ela tem trabalhado em diferentes formatos de improvisação, inclusive explorando a arquitetura de salas e igrejas para a construção espacial de suas composições e improvisações. Aqui, numa pequena residência em Suffolk, ela cria essas composições para quatro violinos, sendo que três são pré-gravados e um apresentado ao vivo.
uttu EP, AGF (independente)
Hoje eu não estou facilitando. Desde o Laub, no começo dos anos 2000, eu sou absolutamente rendido à música e à poesia da alemã radicada na Finlândia Antye Greie-Ripatti. Esse EP faz parte de uma série de investigações a respeito da existência dos deuses, e faz isso ao trazer foco a deusas femininas, rendendo homenagem às mulheres e lembrando das muitas camadas de opressão por meio de uma música em estado corrosão interna.
Descese (Lado B), Tori (PWR Records)
Tori é uma cantora de Aracaju radicada no Rio de Janeiro que tem trabalhado com alguns dos músicos mais criativos da cidade maravilhosa, como Domenico Lancelotti, Bem Gil, Joana Queiroz, João Mário e a turma do Bala Desejo. Neste EP que complementa o EP Descese (Lado A), do ano passado, ela lança suas raízes terra adentro com um belo ciclo de canções.
Livros
Balada de Amor ao Vento, Paulina Chiziane (Companhia das Letras)
Romance de estreia da escritora moçambicana, traz, 12 anos antes, a semente do que viria a ser seu romance mais conhecido, Niketche. Trata da história de amor entre Sarnau e Mwando, na verdade de amor e abandono, olhando de forma mais aguda para as questões femininas diante da poligamia.
Friday Black, Nana Kwame Adjei-Brenyah (Fósforo)
São 12 contos distópicos em que a autora norte-americana imagina o futuro se valendo como matéria prima das expressões mais bárbaras do racismo, mas também lançando um olhar crítico para a sociedade capitalista, que já está no jogo com o consumismo do título que inverte a Black Friday. Um mergulho difícil mas necessário na crueldade.
Filmes
Tár, Todd Field (Cinemas)
Indicado ao Oscar de Melhor Filme, narra a história ficcional da compositora Lydia Tár, vivida por Cate Blanchet, que se torna a primeira regente mulher da filarmônica de Berlin. É um filme sobre música, mas também sobre poder, influência e feminismo. E tem trilha impecável da islandesa Hildur Gunadóttir.
Aftersun, Charlotte Wells (Cinemas/Mubi)
A estreia da diretora nesse retrato comovente da relação entre pai e filha, construído de forma impressionista pelos olhos de Sophie, a partir das recordações verdadeiras e falsas das férias que passaram juntos 20 anos anos na década de 1990 em um resort decadente.
Séries
Fauda (Netflix)
Fauda chega a sua quarta temporada sem perder o fôlego. A série fala sobre um grupo israelense que atua no limite da legalidade nos territórios ocupados. Nesta quarta temporada Doron volta ao grupo, depois de virar alvo de um ex-informante que passa a trabalhar com o Hezbollah.
Boate Kiss - A Tragédia de Santa Maria (Globoplay)
Dez anos depois do incêndio na boate que matou centenas de pessoas, essa série documental em 5 episódios, realizada por Marcello Canelas, centra a narrativa na luta por justiça protagonizada dos familiares das vítimas.