Pasárgada, Dira Paes (Globoplay)
Até ver esse filme, só pensava na Dira Paes como uma atriz excelente. Mas ao escrever e dirigir Pasárgada, ela se prova uma contadora de histórias de primeira. É um filme de ator, certamente, por outro lado é um filme de quem ama cinema.
Intimista, o filme se passa em algum recanto da Mata Atlântica, possivelmente no Rio de Janeiro, mas a localização não importa. O que é realmente importante é ir descortinando a introspectiva Irene e sua relação – que se prova ambígua – com a natureza.
Talvez por isso a câmera seja tão importante na narrativa, com planos longos, muitas vezes atravessando a mata para chegar em seu objeto. E assim, de forma muitas vezes oblíqua, vamos conhecendo a história dessa ornitóloga que se hospeda em uma fazenda para fazer o mapeamento de aves raras.
Ao longo do filme, com seus tempos dilatados e breves diálogos, vamos nos acercando mais de Irene, e de suas escolhas. Descobrimos que ela não está simplesmente conduzindo um estudo, está imbricada em um esquema de tráfico de animais.
Essa é uma dessas questões que passam despercebidas no país, a despeito do volume assustador de animais traficados. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), estima-se que 38 milhões de animais são traficados por ano no país. Economicamente, calcula-se que esse tipo de tráfico movimente cerca de US$ 10 bilhões no mundo, e o Brasil responde por US$ 1 bilhão desse total, movimentanado aproximadamente 15% desse comércio. E pássaros são a maioria dos animais brasileiros traficados.
Muitos filmes poderiam nascer dessa realidade. Dira Paes escolheu contar essa história de uma maneira mais poética, simbólica e trazendo conflitos internos e externos de maneira delicada, porém contundente. Irene vai se apresentando em poucos contatos com humanos, muitos deles mediados por telas. A relação mais forte se dá com o mateiro Manuel, vivido por Humberto Carrão.
Justamente esse encontros – e seus múltiplos significados – que constróem o desfecho do filme. De novo, mostrando tudo ao apresentar apenas o essencial.
Não-ficção
Beatles ‘64, de David Tedeschi (Disney+)
Sou filho de uma beatlemanica que assinava Isabel McCartney na adolescência. Freudianamente, os Beatles estão longe de ser minha banda preferida dos anos 1960, embora eu adore o som dos fab four. Só tenho preguiça de um tipo de pensamento de que eles foram a epítome do rock e todo resto é derivação. Isso posto, é muito divertido assistir a esse documentário que mostra a primeira vez que os quatro garotos de Liverpool, bem garotos nessa época, visitam os Estados Unidos pela primeira vez. Com imagens nunca vistas, o filme produzido por Martin Scorcese dão a dimensão não só de como eles viram os EUA – e todo o pop – de pernas pro ar, como também são mudados ao ver a realidade americana que tanto idealizaram. Para mim é também legal ver esse documentário como um duplo do incrível Febre de Juventude, lançado por Robert Zemeckis em 1978, e que vi incontáveis vezes na Sessão da Tarde.
Curta
Reality+, de Coralie Fargeat (MUBI)
A Substância consagrou a diretora francesa, mas dez anos antes, esse curta já trazia questões que seriam exploradas em seu segundo longa. Numa Paris do futuro, a empresa Reality+ implanta um chip que permite com que, quem faça parte da reda, se veja com uma aparência de sonhos. A pegadinha é que a ilusão só funciona por 12 horas e depois são necessárias outras 12 horas de descanso. Acompanhamos a história de Vincent e sua paixão por Stella outra usuária. Conforme a relação se aprofunda, o limite de 12 horas parece curto demais, e aí os problemas começam.
Pipoca fresquinha
Ad Vitam (Netflix), Alien Romulus (Disney+), Asphalt City (Prime Video), Bagagem de Risco (Netflix), Caçador de Tormentas (Prime Video), Como Vender a Lua (Apple TV+), Clube dos Vândalos (Prime Video), Coringa: Delírio a Dois (Max), Dahomey (MUBI), Os Delinquentes (Max e MUBI), DIAbólica (Max), Elton John: Never too Late (Disney+), Estranho Caminho (MUBI), Os Fantasmas Ainda Se Divertem (Max), A Garota da Vez (Prime Video), How to Have Sex (Max), Jurado Nº 2 (Max), Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí (Globoplay), Ligação Sombria (Prime Video), M3GAN (Prime Video), O Mal Não Existe (MUBI), Maxxxine (Prime Video), Não, Não Olhe (Netflix), Número 24 (Netflix), A Prática (MUBI), Pepe (MUBI), The Red Virgin (Prime Video), The Silent Hour (Prime Video), Silvio (Max), Super/Man: A História de Christopher Reeve (Max), Tár (Prime Video), O Truque do Amor (Netflix) e Your Fault (Prime Video).
Ladeira da memória
9 1/2 Semanas da Amor (MUBI), A Bela da Tarde (MUBI), Chappie (Max), O Discreto Charme da Burguesia (MUBI), Esse Obscuro Objeto do Desejo (MUBI), A Estrada Perdida (Telecine), O Beijo no Asfalto (MUBI), Faça a Coisa Certa (Telecine), O Fantasma da Liberdade (Mubi), Instinto Selvagem (MUBI), Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos (MUBI), Pepi Luci Bom e Outras Garotas de Montão (MUBI), The Protagonists (MUBI), O Segredo de Brokeback Mountain (Telecine), Sob a Areia (MUBI) e Whiplash (Max).
Na cabine
A convidada para indicafr um filme nesta edição é minha parceira de Bravo! e de tantas outras aventuras Helena Bagnoli, ela mesma diretora do doc Amazonias, um Manifesto e da série Artérias:
Revanche, Götz Spielmann (MUBI)
Em um daqueles dias de pouca inspiração, decidi explorar o catálogo do MUBI e me deparei com um filme austríaco de 2008, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009 e vencedor de 14 prêmios internacionais. As pistas eram instigantes: filme austríaco super premiado, um thriller de vingança, ambientado em um bairro decadente de Viena, repleto de boates e clubes privados, com personagens comuns e uma trama intrigante. Resolvi dar o play.
O filme é Revanche, escrito e dirigido por Götz Spielmann. A história acompanha Alex, um ex-presidiário que sonha em começar uma nova vida ao lado de sua amante, Tamara, uma prostituta ucraniana. Durante uma visita ao avô em uma pequena cidade rural próxima a Viena, Alex decide que vai assaltar o banco do lugar, enxergando na aparente facilidade do plano a chance de recomeçar. Paralelamente, conhecemos Susanne e Robert, um casal que também vive na região, sendo ele um policial. O assalto conecta a vida desses dois casais em uma trama simples e surpreendentemente original, que ganha intensidade à medida que se desenrola.
As paisagens suburbanas de Viena contrastam com o cenário bucólico da área rural, com seu tempo próprio de existir. E é aí que o filme ganha corpo.
O roteiro é enxuto e com poucos diálogos, estruturado na performance dos atores, aliás, impecável, todos econômicos, precisos e com atuações carregadas de autenticidade .
Götz Spielmann tem absoluto controle de sua história, muda a sua dinâmica algumas vezes e nos coloca reversões de expectativas que parecem, em retrospecto, inevitáveis. Fui me dando conta que o filme vai construindo uma compreensão muito mais profunda, para além do que estamos vendo na tela. E assim é de fato. Terminei pensando ironicamente+ quem deve ser responsabilizado quando a vida se desvia do esperado?
Revanche é um filme comovente , despretensioso e uma experiência cinematográfica de altíssimo nível!
Lynch vive
Quando estava fechando essa edição, veio a notícia da morte de um de meus diretores prederidos, David Lynch. Aqui o que tem disponível de filmes dele no streaming:
Eraserhead (1977) - Darkflix+
O Homem Elefante (1980) - Darkflix+
Duna (1984) - Looke, NetMovies, Oldflix, Darkflix+ e MGM+
Veludo Azul (1986) - Looke, NetMovies e Darkflix+ e MGM+
Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer (1992)- Telecine/Globoplay
A Estrada Perdida (1997) - Reserva Imovision e Telecine
Cidade dos Sonhos (2001) - Cindie
O Cinema em Casa SESC está exibindo gratuitamente o documentário Lynch/Oz, sobre a influência que O mágico de Oz exerceu na sua cinematografia. Até dia 19/05 https://sesc.digital/conteudo/filmes/cinema-em-casa-com-sesc/lynch-oz