Neste mês, o Mubi disponibilizou uma série de filmes do finlandês Ari Kaurismäki, depois do sucesso de seu último filme na plataforma, Folhas de Outono, do ano passado. É uma baita oportunidade de mergulhar no universo cinematográfico desse autor que mescla como ninguém peso e leveza, o sombrio e o divertido e que raramente tem seus filmes exibidos por aqui. Sua obra é extensa: são 18 longas, 13 curtas, dois docs de shows. Para facilitar esse mergulho, escolhi cinco filmes que acho que dão conta dessa cinematografia que deixa a gente feliz com a humanidade — o que não é pouco. Eu começaria por Nuvens Passageiras, de 1996, estrelado por Kati Outinen and Kari Väänänen, atores que vão aparecer muito em seus filmes e que aqui formam um casal que já não consegue trabalho, ela como garçonete e ele como motorista de bonde, e tem de se virar pra sobreviver. O segundo é a comédia Leningrad Cowbows Go America, de 1989 (foto), um dos vários filmes que ele faz sobre essa banda siberiana de rock. Neste, os russo deixam a tundra em direção ao sonho americano. O terceiro é O Homem Sem Passado, de 2002, sobre um homem que é espancado ao chegar em Helsinque e perde a memória, o que vale aqui é o olhar do diretor para a compaixão. O quarto é Luzes na Escuridão, de 2006, sobre um segurança que, atraído por uma mulher, se torna vítima de uma gangue. É um filme que abraça a estética dos perdedores. Por fim, iria de A Garota de Caixa de Fósforos, 1990, um filme minimalista e surpreendente, com uma interpretação magistral de Kati Outinen. Os filmes mais dramáticos de Kaurismäki têm um que de Robert Bresson, uma simplicidade no filmar e no escrever que, em vez de empobrecer, deixa mais mais espaço para uma riqueza cinematográfica.
Discos
Pra Você, Ilza, Hermeto Pascoal & Grupo (Rocinante)
Hoje tem a premiação da APCA e justamente revendo a lista dos discos brasileiros lançados no primeiro semestre me dei conta de que não tinha ouvido essa linda declaração de amor, que aqui é de Hermeto, mas também um pouco de seu filho Fabio, que assina a produção. Os 24 anos de ausência de Ilza são lembrados com ternura nessa série de temas selecionados de um livro escrito na virada de 1999 para 2000. É uma aula de música universal, que na verdade é a língua melódica que Hermeto fala com naturalidade e é uma linguagem do mundo a partir do Brasil, aliada a toda a complexidade rítmica e harmônica que só a seleção maravilhosa de músicos que acompanha o bruxo pode aportar. Lindo e genial.
Empires into Sand, Normil Hawaiians (Upset the Rhythm)
Lado C do pós-punk, o Normil Hawaiians é um coletivo que nasce ao redor do vocalista e guitarrista Guy Smith. O último disco lançado por eles era de 1984, embora tenha um disco inédito de 1986 que veio ao mundo em 2015. Bom agora eles lançam esse monumento à estranheza, mesclando drones, ambient, motorik, tendo a improvisação como método. Esse disco foi gravado num local remoto da Escócia por sete membros do coletivo. Uma ode à imaginação pastoral infectada de loops de fita, guitarras, synths e vocais esquisitos. Tudo que eu amo.
All Born Sreaming, St. Vincent (Total Pleasure Records)
Um pouco de música pop, pero no mucho. O que eu mais gosto em Annie Clark é a sua capacidade de encontrar novos ângulos, de explorar personas a cada álbum. Aqui o jogo é outro, a minha leitura é que esse é um disco em que ela canaliza as melhores lições da música pop de diferentes cepas. Nessa nova leva de canções, que são bem cruas e diretas, eu ouço Prince, Bowie, Talking Heads, chegando até ao grunge e à um Nine Inch Nails. E adoro a faixa título, com a participação de Cate Le Bon e uma guitarra que poderia ter sido gravada em 1985.
Mayday, Myriam Gendron (Chivi Chivi)
O terceiro disco da artista de Montreal vai mais longe do que os primeiros. Sua pesquisa passa pelas as tradições da música folclórica do Quebec, mas sem ser uma cópia dessa tradição. Mesclando letras em francês e em inglês, nada mais canadense, ela gravou essa leva de canções de enfiada com seu violão, mas a graça está justamente nos momentos em que ela rompe com a tradição e abre espaço para ecos de vanguarda, que vêm principalmente das guitarras de Marisa Anderson e Bill Nace, do Body/Head, da percussão de Cris Corsano e do baterista dos Dirty Three Jim White.
Livros
Bate Estaca, Camilo Rocha (Veneta)
Bom, pouca gente conheceu tão de perto a cena eletrônica do que o Camilo Rocha, seja como jornalista, como DJ ou como viajante das pistas. E aqui ele faz um trabalho incrível de contar essa história. Ele volta aos anos 1980, em clubes icônicos como a Nation e a Toco, e segue até os anos 2000, quando a cena clubber já se cristalizava em grandes festivais. Adoro o subtítulo do livro, que diz tudo: Como DJs, clubbers e drag queens salvaram a noite de São Paulo.
Tese sobre uma Domesticação, Camila Sosa Villada (Companhia das Letras)
A escritora trans argentina, que participa esta edição da Feira do Livro em São Paulo, terá toda a sua obra lançada no Brasil, depois do sucesso de O Parque das Irmãs Magníficas. Esse é seu romance de estreia, que fala de amor, de corpos dissidentes e de novos jeitos de montar famílias.
Filmes
Uma Vida - A História de Nicholas Winton, James Hawes (Prime Video)
Com atuação brilhante de Anthony Hopkins (quando não é, né?), o filme conta a história do jovem corretor londrino que salva 669 crianças dos nazistas no fim da Segunda Guerra. Cinquenta anos depois, ele encontra alguns dos sobreviventes em um programa de TV.
Duna Parte 2, Denis Villeneuve (Max)
Visualmente, a segunda parte do filme do diretor canadense, é deslumbrante. E só engrandece a narrativa que mescla ficção científica, política e espiritualidade. Eu amo a versão do David Lynch, mas tenho de dar o braço a torcer: o Duna de Villeneuve é melhor.
Série
Supacell (Netflix)
O argumento dessa série inglesa é um pouco batido, mas também gaurda um tantinho de originalidade. Por uma mutação genética, algumas pessoas descobrem superpoderes e precisam lidar com as consequências disso. O que torna especial é o fato de essa mutação só acontecer em pessoas negras, o que traz algumas camadas bem-vindas de crítica social.
A Casa do Dragão (Max)
Eu gostei de Game of Thrones, mas achei que o final ficou um pouco perdido. A Casa do Dragão tem um pouco dessa veia pop que dilui um tanto o sabor político das personagens. Vi só o primeiro episódio dessa segunda temporada. Gosto das disputas em família, mas tenho dúvidas se a série não vai descambar pra um “é disso que o povo gosta”. A ver.
Podcast
1 Livro, 1 Disco, 1 Filme
Com episódios em diferentes formatos, Barbara Demerov e Diego Olivares traçam perfis de artistas, obras e convidados, articulando perspectivas e conexões nos universos da literatura, da música e do cinema. (Maria Clara Strambi)
A Ladrilho Hidráulico agora é feita também pela Maria Clara Strambi