Por que este novo disco da Julia Holter mexe tanto comigo? Ouvi um disco uma vez e fui tomado, impulsionado para o repeat, não na busca de encontrar o que cada canção conta dessa história, mas de entender porque ela ressoa dessa maneira. Por um viés puramente analítico, o sexto disco da artista de Los Angeles é totalmente climático, com momentos transcendentes. A voz etérea nos conduz por canções que tratam do tema mais fundamental para qualquer humano, vida e morte. Melhor, o nascimento na vida, e a morte precoce. Isso encapsulado em canções que se desfazem nos vocais esparramados, nas linhas de sintetizador que criam várias texturas e no baixo sem trastes que conduz o grave de forma suave, dando peso e circunstância às canções. É um disco que dialoga com os arranjos luxuosos do brilhante Aviary, mas é ainda mais acessível. Para Julia este é um disco sobre presença, um disco líquido para interagir com a nossa porção água. Desde que beijei a morte busco a presença antes de tudo. E é neste ponto que um disco como Something in the Room She Moves me pega.
Discos
Lume Púrpuro, MNTH (Desmonta)
Eu adoro o som do MNTH por algumas razões. Primeiro pela aparente familiaridade dos beats, aquelas bases que dialogam com o hip hop clássico e com os breakbeats da eletrônica dos anos 90. Mas sobretudo porque se esse é o alicerce, todo resto é uma criação expansiva, em profundo diálogo com a música de hoje e o acaso da improvisação. Aqui ainda tem uma outra camada, a do transe, da escuta meditativa. Tudo construído com músicos incríveis: Mauricio Takara (bateria e percussão), Lello Bezerra (guitarra), Marco Nalesso (viola), Carla Boregas (orgão), Rogério Martins (percussão) e Rodrigo Hara (baixo). Foda.
Formas de Estar, Vasco Ribeiro e os Clandestinos
A gente olha muito menos para Portugal do que deveria. Quando conseguimos furar esse bloqueio atlântico, não raro a surpresa é positiva. Aqui o que interessa é a primazia da canção, sobretudo a canção com boas letras, que não se prende a estilos fixos. Há um pendor folk inegável, alguns dos os arranjos poderiam ter sido feitos tranquilamente nos campos ingleses com cheiro de medievo, mas aqui eles vão mais longe, incorporando o fado, com todo o drama inerente ao gênero, e flertando até com a bossa, de um jeito leve, pop.
Tigers Blood, Waxahatchee (Anti)
Outra artista que, como Julia Holter, chega ao sexto álbum. Desta vez Katie Crutchfield traz Brad Cook, produtor de discos de gente como Indigo Souza e Hurray for the Riff Raff. Esse trabalho é um contínuo da exploração do universo da americana, esse gênero que bebe tanto no folk quanto no country e em suas variações, com um sotaque bem interiorano. Isso faz com que, à primeira audição, soe como um disco familiar, mas quando você entra nos detalhes, percebe a riqueza das composições e o quanto cada canção tem de singular.
Livros
voar é a ordem, Maju Cavalcanti (Patuá)
nunca é triste um corpo que fala eu te amo, Carlos Gomes Oliveira (Flecha)
Hoje vou falar de dois livros entrelaçados, por isso eles vêm juntos. Os poemas que estão no livro dos pernambucanos não só vêm de uma conversa entre a palavra escrita e a música, como buscam um diálogo com a fala e a presença corporal. Mesmo antes de virarem os respectivos livros, Maju Cavalcanti e Carlos Gomes Oliveira começaram a experimentar formas de dizer poesia ao vivo. Corpo, voz, ritmo e som são as bases para essas explorações que acabam levando a palavra escrita para uma polifonia vocal, preocupada com timbres, tonalidades, e até melodias. Neste ano, esse encontro vai se materializar no espetáculo na boca de muitos nomes, em princípio no Recife, mas a gente espera que possa rolar também em São Paulo. Enquanto isso, ficam os livros. E, quem quiser um aperitivo, o poema título está no último disco do Oliveira.
Filmes
Oppenheimer, Christopher Nolan (Prime Video)
Bom, depois de ter sido um dos filmes mais falados do ano passado ao lado de Barbie e de ser o grande vencedor do Oscar deste ano, imagino que não tenha ninguém que ignore o filme de Nolan sobre o cientista responsável pela criação da bomba atômica. A notícia é que se você ainda não viu, agora ele chegou ao streaming. Mas vale ver numa tela grande.
Os Delinquentes, Rodrigo Moreno (Mubi)
Acho que uma das principais características do novo cinema argentino é a de propor um jogo com os gêneros imprimindo um estado de espírito, um humor, por que não, muito particular, não raro com soluções brilhantes de roteiros. É um pouco isso que esse longa faz com os filmes de assalto.
Série
O Problema dos 3 Corpos (Netflix)
Não tenho um amigo que não tenha embarcado na série sem ficar fissurado. Confesso que, sem muito tempo recentemente, vi só o primeiro episódio, e ainda estou tateando no enredo da série. Conta ter sido feita pelos mesmos criadores de Game of Thrones, mas o mistério que envolve atrofísicos, alucinaçõe e a origem do mundo, até onde cheguei, é dessas feitas pra prender.
Sugar (Apple TV)
Com novos episódios às sextas, essa série estrelada por Colin Farrell é uma reimaginação das séries de detetives, em franco diálogo com os filmes noir. A história prende. Um investigador particular tem de solucionar o caso do desaparecimento de Olivia Siegel, neta do produtor de Hollywood Jonathan Siegel.
Podcast
Talk Art
Um dos mais interessantes podcasts para quem gosta do universo da arte. Apresentado pelo galerista Robert Diament e pelo ator Russel Tovey, o podcast tem de legal justamente um jeito de falar sobre arte que foge da afetação, mas sempre busca ângulos curiosos, de um jeito relax. A lista de convidados é impressionante. Eu gosto especialmente do episódio que tem a Laurie Anderson de convidada e também o do Gus Van Sant.