Aqui entre este par de ouvidos não existe som hoje mais instigante do que o produzido pela Moor Mother (foto). Em 2022 ela lançou um discaço chamado Jazz Codes e esse curta metragem que é praticamente um versão ritualística do álbum, com a sobreposição de poesia, eletrônica, samples do fantástico trompetista Woody Shaw, gravados no quartel general da Pan Afrikan Peoples Arkestra em Los Angeles, além de uma banda formada por Maia (vibrafone), Henry Franklin (baixo), Michael Session (sax) e Mekela Session (bateria). Esse filme está agora na Next Prize, uma coleção incrível de filmes do Mubi. Para quem não assina, rola uma versão no YouTube. São só 14 minutos, mas permitem tantas leituras que preenchem umas boas horas de divagação depois de assisti-los.
Discos
Queda Livre, Caxtrinho (QTV)
Caxtrinho vem da Baixada Fluminense, mais precisamente de Belford Roxo. Nesse disco de estreia leva a experiência de ser um jovem negro no Brasil a um outro patamar. Liricamente, por tratar de assuntos sérios com uma boa dose de humor carioca, uma auto-sacanagem que pode ser bem mais reveladora do que a seriedade do protesto. Mas não se engane, nessas crônicas, a crítica social está bem enraizada e vocalizada, só que livre de clichês. E o som é incrível, uma fusão entre o samba e o rock, muitas vezes bem psicodélico, com uma parte rítmica exuberante. Tem uma anarquia que remete ao Negro Leo, posta em marcha por uma banda que reúne a nata do Rio, gente como Eduardo Manso e Vovô Bebê.
Sabotage 50, Sabotage (Som Livre)
Domingo encontrei o Tejo Damasceno e, falando de suas produções novas, ele me contou desse disco, que eu não tinha ouvido ainda. É uma comemoração dos 50 anos que Sabotage faria caso estivesse vivo.Usando às gravações da época do Instituto, o disco traz uma série de parcerias virtuais, com gente das antigas que nunca tinha gravado com ele, como Kamal e Xis, por exemplo, até uma molecada que não o conheceu, como Yago Oproprio. Sem falar das colaborações de BaianaSystem, BNegão, Rincón Sapiência. Muito legal trazer a voz de Sabotage dialogando com a realidade atual.
My Light My Destroyer, Cassandra Jenkins (Dead Oceans)
Confesso que, num primeiro momento, torci um pouco o nariz para esse disco que tem recebido resenhas estelares. Mas como acontece com bons álbuns, dei uma chance para a cantora e compositora de Nova York e comecei a entrar no universo dessas canções que transitam entre o folk e as baladas, às vezes remetendo a um pop dos anos 60, às produções de Van Dyke Parks, nessa fronteira entre o rock melódico e o folk americano. Quanto menos certeza ela imprime às canções, mais bonitas elas são. Existe um pendor para o romantismo, sem deixar de trazer inquietações com as relações mais mundanas, narradas com um desespero comedido. Uma boa mistura.
Regreso a Gondwana, Andres Levin (Tribe Caribe)
Cheguei nesse disco por conta de City of Multiplicity, uma faixa em português, inglês e espanhol, com Kassin, Alexia Bontempo, Ana Torroja e Donny McCaslin. Uma canção deliciosa sobre as novas configurações amorosas nesses tempos líquidos, totalmente em débito com as fusões entre música brasileira e R&B que ninguém fez melhor do que Sérgio Mendes. De certa forma essa música é emblemática das fusões propostas pelo produtor venezoelano radicado em Los Angeles. Gonwana é o supercontinente que reunia África, América do Sul e Caribe. E o disco é justamente sobre os pontos de contato dessas culturas, com uma série de convidados que vão de Aterciopelados a Sly Dunbar, passando por Meshell Ndegeocello.
Livros
O Olhar Contemporâneo, João Correia (Perspectiva)
Para quem não tem uma vivência no universo da arte, entender a produção contemporânea representa um baita desafio. Até porque, hoje, são muitos os caminhos possíveis para a compreensão do fazer artístico no contato com obras. João Correia se propõe nesse livro a trazer elementos que façam com que o leitor possa ter as ferramentas intelectuais e sensoriais para poder sacar o estado da arte atual, o que não é pouco.
Pequenas Coisas Como Estas, Claire Keegan (Relicário)
Esse livro está na lista dos 100 melhores romances do século feita pelo New York Times, que identifica um universo dickensiano nessa história ambientada em 1985 na Irlanda. Tem como personagem um filho de uma mãe solteira que faz uma descoberta a respeito das mulheres que vivem em um convento local. Um texto que fala da complexa relação com a Igreja Católica e seus muitos esqueletos.
Filmes
Guts and Glitz, Fox Maxy (Mubi)
Outro filme que faz parte da coleção Next Prize. É um longa bastante experimental feito por uma cineasta indígena a partir da mescla de imagens recolhidas e produzidas ao longo dos últimos dez. anos. Uma colagem feita com trechos de documentários, clipes de TV e animações, além de filmagens originais, embaralhadas em um fluxo sensorial. Desafiante, mas fascinante.
Levante,`Lillah Halla (Telecine)
Em um momento de guerra cultural, polarização e retrocessos, um filme como Levante é mais do que necessário. Conta a história de uma jovem e talentosa jogadora de vôlei de classe baixa, com um futuro encaminhado que pode ser posto a perder quando ela descobre que está grávida. Ao buscar fazer um aborto, passa a ser vítima de um grupo religioso com sua intolerância pró-vida.
Séries
Kaos (Netflix)
Para quem cresceu fascinado pelas histórias do mitos gregos, essa minissérie da Netflix, com doses iguais de humor e drama, é uma delícia. Traz o Olimpo para uma realidade atual, ao centrar na história de Orfeu e Eurídice. A única coisa que podia ser um pouco melhor é a música do Orfeu, pegajosa até a medula.
Slow Horses (AppleTV+)
Uma das melhores séries da Apple chega à sua quarta temporada. Agora o asqueroso líder do grupo de renegados do MI5, vivido brilhantemente por Gary Oldman, segue a história do quarto livro da série de espionagem de Mick Herron, Spook Street, que se desenvolve a partir de um atentado terrorista a um shopping center. A boa notícia é que a quinta temporada já está contratada.
Podcast
A24 Podcast
Não tem estúdio mais legal em Hollywood hoje que o A24, e essa série de podcasts produzida por eles tem episódios apresentados por diferentes duplas, como a cineasta Jane Shoenbrun e a atriz Brigette Lundy-Paine ou as diretoras e roteiristas Sofia Coppola e Celine Song.
A Ladrilho Hidráulico agora é feita também pela Maria Clara Strambi